Powered By Blogger

domingo, 27 de fevereiro de 2011

O Conto I (teoria)

Do ângulo dramático, é unívoco, univalente. Constitui uma unidade ou célula dramática: um só conflito, um só drama, uma só ação. Tudo leva a um mesmo objetivo, a um mesmo ponto. Ao conto aborrece as divagações, digressões, excessos (Moisés, p. 124). É um drama que apresenta um fim em si próprio, com começo, meio e fim, corresponde ao momento mais importante da vida da personagem, sem importar o antes ou o depois. Pode haver uma "síntese dramática", mas o passado e o futuro possuem pouco ou nenhum significado.


No conto há unidade de ação, espaço, tempo e tom. Em relação ao espaço, o lugar físico em que a ação decorre possui interesse dinâmico. Em relação ao tempo, o período é sempre curto, horas ou dias (ou não será um conto). Preocupa-se com o centro nevrálgico da questão, sendo objetivo e atual, vai direto ao ponto, sem deter-se em pormenores secundários. Essa objetividade é ressaltada justamente pela unidade de ação, lugar e tempo. Quanto ao tom, a intenção é provocar no espírito do leitor uma só impressão: pavor, piedade, ódio, simpatia ... ou seus contrários. O conto opera com ação e não com "caracteres". Ele apenas cria situações conflituosas em que todos nós, indistintamente podemos espelhar-nos. Nesse caso as personagens são consideradas como instrumentos da ação. (Moisés, p. 126).


Personagens
As unidades requeridas de ação, tempo, lugar e tom só podem estabelecer-se com poucas personagens. Só não existe o conto com uma única personagem. Se uma só aparecer, outra figura deve estar atuando para a formulação do conflito. Por fim, as personagens tendem a ser estáticas, imóveis no tempo, no espaço e na personalidade. Figura-se uma tela em que se fixa plasticamente o apogeu de uma situação humana. (Moisés, p.127).


Estrutura
Por ser "objetivo", "plástico", "horizontal", costuma ser narrado na terceira pessoa. Usa as palavras suficientes e necessárias, convergindo para o alvo; a imaginação prende-se plasticamente à realidade concreta em verossimilhança com a vida.
Linguagem
À linguagem do conto cabe ressaltar a ação, antes da intenção. Por seu estofo eminentemente dramático, deve ser, tanto quanto possível, dialogado. Sem diálogo não há discórdia, desavença ou malentendido; sem isso não há conflito, nem ação. As palavras como signos de sentimentos, idéias, pensamentos, emoções, podem construir ou destruir. Sem diálogo torna-se impossível qualquer forma completa de comunicação (Moisés, p.128).


O diálogo é a base expressiva do conto. Há quatro tipos de diálogo:
1) direto (discurso direto)- as personagens falam diretamente.
2) indireto (discurso indireto)- o contista resume a fala em forma narrativa, sem destacar o diálogo.
3) indireto livre (discurso indireto livre)- fusão entre a terceira e a primeira pessoa narrativa, entre autor e personagem, "numa espécie de interlocutor híbrido" de modo que a "fala de determinada personagem ou fragmentos dela, inserem-se discretamente no discurso indireto através do qual o autor relata os fatos".
4) diálogo (ou monólogo interior)- acontece dentro, no mundo psíquico da personagem; fala consigo mesma por as palavras conterem "vários níveis de consciência antes que sejam formuladas pela fala deliberada". (Moisés, p 129)


Narração, Descrição e Dissertação
Narração e descrição são pouco utilizadas, mas a descrição pode ter mais importância, dependendo do tipo de história. As personagens dos contos são diferenciadas pelo contorno dramático ou psicológico e não pela fisionomia ou vestimenta. Não há interesse em oferecer desenho acabado das figuras. O drama mora nas pessoas, não nas coisas ou roupagens; estas, quando muito, refletem-no. (Moisés, p. 131).
O uso da dissertação é mais raro ainda, embora alguna contistas de talento o utilizem (como Machado de Assis em Dom Casmurro).


Trama
Sempre linear, objetiva, segue a cronologia do relógio em continuidade semelhante à da vida real. Quando começa, já está perto do epílogo. É dominado pela "precipitação". Apesar disso, contém um mistério, um nó dramático a ser desfeito, sem truques, de forma que o drama explode imprevistamente.
A grande força do conto - e calvário dos contistas - consiste no jogo narrativo para prender o leitor até o desenlace, que é de regra geral um enigma. (Moisés, p. 132)
O final é uma surpresa, deixa uma semente de meditação ou de pasmo diante da nova situação e a narrativa suspende-se e escapa das mãos. A vida continua, mas o conto se fecha completo. Há casos em que o enigma vem diluído ao longo do conto.


Foco Narrativo
Classificação de Cleanth Brooks e Robert Penn Warren:


1) personagem principal conta sua história:é um tanto limitador pois pode parecer juiz em causa própria; oferece a vantagem de dar a ilusão de presentividade; expediente primário e espontâneo.
2) uma personagem secundária conta a história da personagem central:mais distância entre o leitor e o conteúdo da narrativa; quem conta foi ou é testemunha; pode ainda constituir disfarce do autor, mais do que as outras personagens; apresenta mais desvantagens que vantagens e é pouco usado.
3) o escritor, analítico ou onisciente conta a história:acompanha as personagens a todos os lugares, entra-lhes na intimidade, devassa seu mundo psicológico, esquadrinha-lhes os abismos inconscientes e subconscientes, conhece-lhes as mínimas palpitações; nesse caso a fabulação perde em impacto por ser indireta, oblíqua, mas ganha em riqueza de situações e pormenores; presta-se a narrativas lentas do gênero psicológico ou introspectivo; perde também em verossimilhança, característica fundamental do conto. (Moisés, p. 135).
4) o escritor conta a história como observador:semelha os defeitos do segundo foco, mas amplia a faixa de observação; suspende ou diminui a penetração psicológica (considerando a referência do terceiro foco) em favor da ação, do conflito, de modo a tornar a narrativa mais linear, menos complexa.Cada foco tem vantagens e desvantagens, então o importante é escolher adequadamente o foco que leve a realizar o intento, que é contar uma história que nos convença. O bom contista não forja a estrutura, nem o ponto de vista (ou foco). Tudo já existe pronto, como um esqueleto, no ato mesmo de contar a história.


Concluindo o tópico, pode-se dizer que "o ficcionista é sempre onisciente, ainda quando pareça conceder aos personagens a primazia da narrativa ou do diálogo (...) porque a obra nasce dele, sobretudo entendendo onisciência não como consciência, mas como conhecimento integral ( isto é, pela memória, pela imaginação, pela reflexão) dos materiais de ficção (isto é, o Homem, a Natureza, o Tempo, a História)." (Moisés, p.136).




Continua...

Fonte :MOISÉS, Massaud. A Criação Literária. São Paulo: Melhoramentos, 1973, pp.119 a 143.

Nenhum comentário:

Postar um comentário