Os contos de Várias
Histórias ( Machado de Assis)constituem rico material para um estudo da psicologia do
homem e de como ele se comporta no grupo em que vive. Vemos neles a análise das
fraquezas humanas, norteadas muitas vezes pela preocupação com a opinião
alheia. Em inúmeros casos as personagens fazem o mesmo que nós: mentem, usam
máscaras, para não entrar em conflito com o meio em que estão e, portanto,
conviver em sociedade. O pior é que levam tão a sério essa máscara que chegam
até a enganar a si mesmas, acreditando nela como a personalidade real.
Por causa desses elementos
temáticos, notamos uma peculiaridade nos contos machadianos. Esse gênero,
graças à sua brevidade, dá, por tradição, forte atenção a elementos narrativos.
Não há espaço, pois, para digressões, tudo tendo de ser rápido e econômico. No
entanto, no grande autor em questão o mais importante é o psicológico, o que
permite caminho para características marcantes do escritor, como
intertextualidade, metalinguagem e até a digressão, entre tantas, tornando a
leitura muito mais saborosa.
“A Cartomante”
–Rita,
dotada de espírito ingênuo, havia consultado uma cartomante, achando que seu
amante, Camilo, deixara de amá-la, já que não visitava mais sua casa.
Tranqüilizada pela cartomante, faz-se um flashback que vai explicar como
se montou tal relação. Camilo era amigo, desde longínqua data, de Vilela.
Tempos depois, este se casa com Rita. A amizade estreita a intimidade entre
Camilo e Rita, ainda mais depois da morte da mãe dele. Quando sente sua atração
pela esposa do amigo, tenta evitar, mas, enfim, cai seduzido. Até que recebe
uma carta anônima, que deixava clara a relativa notoriedade da sua união com a
esposa do seu amigo. Temeroso, resolve, pois, evitar contato com a casa de
Vilela, o que deixa Rita preocupada. Terminada essa recapitulação, vai-se para
a parte crucial do conto.
Camilo recebe um bilhete
de Vilela apenas com a seguinte mensagem: “Vem já, já”. Seu raciocínio lógico
já faz desconfiar que o amigo havia descoberto tudo. Parte de imediato, mas sua
carruagem fica presa no trafego por causa
de um acidente. Nota uma estranha coincidência: está parado justamente
ao lado da casa da cartomante. Depois de um intenso conflito interior, decide
consultá-la. Seu veredicto é dos mais animadores, prometendo felicidade no
relacionamento e um futuro maravilhoso. Aliviado, assim como o tráfego, parte
para a casa de Vilela. Assim que foi recebido, pôde ver, pela porta que lhe é
aberta, além do rosto desfigurado de raiva de Vilela, o corpo de Rita sobre o
sofá. Seria, portanto, a próxima vítima do marido traído.
Note neste conto a
estrutura em anticlímax, pois tudo nele (já a partir da citação inicial da
famosa frase de Hamlet: “há mais cousas no céu e na terra do que sonha a nossa
filosofia”) nos prepara para um final em que o misticismo, o mistério
imperaria. No entanto, seu final é o mais realista e lógico, já engendrado no
próprio bojo do conto. Reforça esse aspecto o ritmo da narrativa, que é lento
em sua maioria, contrastando com seu desfecho, por demais abrupto. E não se
esqueça da presença de um quê de ironia nesse contraste entre corpo da
narrativa e o seu final.
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