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terça-feira, 23 de agosto de 2011

Um clássico : Tom Jobim

De mim para você...

Ao criarmos um blog, sempre temos um objetivo, mas nunca conseguimos imaginar até que ponto ele vai, e quantas pessoas ele pode atingir.

Quando criei esse espaço tinha em mente facilitar o estudo da literatura, obviamente visando alunos cuja dificuldade era previsível, porque quem não lê, não pode entender nem literatura, nem a vida e muito menos o mundo em que vive. Mas semeei em terreno árido. As sementes não germinaram, nem quero aqui discutir o porquê. Seria enorme perda de tempo. Além do que é generalização, e há exceções que quero preservar.

A pausa foi reflexiva , confesso, nem tive vontade de voltar , mas...inacreditavelmente recebi muitos emails e recados em outros blogs, de professores e alunos do EM e de Universidades ( Letras , em especial) , distantes e próximos, aos quais as postagens  se mostraram úteis e oportunas.

Assim, volto agora, com a certeza de atingir aqueles que me darão muito prazer e muita alegria, e com quem posso dialogar, APRENDER SEMPRE ...porque quando nos relacionamos com as pessoas certas temos muito a  aprender.

Assim, um clássico...poesia e música:

Águas de Março, Tom Jobim:

Tom fez Águas de Março no sítio da família em Poço Fundo, estado do Rio de Janeiro, em março de 1972. A propriedade estava passando por uma pequena reforma, que consistia basicamente no reforço de um muro. Chovia muito, e a estradinha que levava ao sítio estava enlameada. Neste ambiente de obra, chuva, e lama, Tom escreveu a letra e a música. No folheto que acompanhou a primeira gravação da música, lançada em um encarte da revista "O Pasquim" em 1972, Tom diz que foi inspirado pelos versos iniciais de Olavo Bilac em "O Caçador de Esmeraldas":

"Foi em março, ao findar das chuvas, quase à entrada
Do outono, quando a terra, em sede requeimada,
Bebera longamente as águas da estação
Que, em bandeira, buscando esmeraldas e prata
À frente dos peões filhos da rude mata
Fernão Dias Paes Leme entrou pelo sertão."



Águas De Março - Tom Jobim

É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um caco de vidro, é a vida, é o sol
É a noite, é a morte, é um laço, é o anzol

É peroba do campo, é o nó da madeira
Caingá, candeia, é o Matita Pereira
É madeira de vento, tombo da ribanceira
É o mistério profundo, é o queira ou não queira

É o vento ventando, é o fim da ladeira
É a viga, é o vão, festa da cumeeira
É a chuva chovendo, é conversa ribeira
Das águas de março, é o fim da canseira
É o pé, é o chão, é a marcha estradeira
Passarinho na mão, pedra de atiradeira

É uma ave no céu, é uma ave no chão
É um regato, é uma fonte, é um pedaço de pão

É o fundo do poço, é o fim do caminho
No rosto o desgosto, é um pouco sozinho
É um estrepe, é um prego, é uma conta, é um conto
É um pingo pingando, é uma ponta, é um ponto

É um peixe, é um gesto, é uma prata brilhando
É a luz da manhã, é o tijolo chegando

É a lenha, é o dia, é o fim da picada
É a garrafa de cana, o estilhaço na estrada

É o projeto da casa, é o corpo na cama
É o carro enguiçado, é a lama, é a lama

É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
É um resto de mato, na luz da manhã
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração

É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho

É uma cobra, é um pau, é João, é José
É um espinho na mão, é um corte no pé
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
É um belo horizonte, é uma febre terçã

São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração


São coisas que pouca gente observa, mas há certas melodias que se casam tão bem com suas letras que uma praticamente não existe sem a outra. Pode ser questão de costume, pode ser questão de técnica, pode ser que o clima que a melodia dá valoriza a letra, e vice-versa. Enfim, é tudo isso e mais um pouco.
Tentar explicar isso, ou melhor, tentar equacionar tudo isso é como dizer que basta seguir algumas regras que qualquer casamento pode ser perfeito. E falo de casamento mesmo, homem e mulher deixando pai e mãe e constituindo um novo lar. O que faz com que um casamento dê certo?
O que faz com que uma música se case bem com sua letra?
Tenho sempre comigo alguns conceitos, que me ajudam na hora da necessidade, e diante do desafio de ser alguém que tenta escrever e compor.

É um casamento entre a letra e a música
E um bom casamento é aquele onde os indivíduos deixam de ser filho e filha, homem e mulher, e tornam-se ambos uma só carne. Inseparáveis. Assim é bom que seja com uma letra e uma música. Um nem precisa dizer o que quer, que o outro já entendeu. Um segue o outro o tempo todo. Se a melodia dá um clima de desfecho, a letra vai junto. Se é hora de falar sério, a música respeita. Se é hora de pular, a letra salta na frente.
    A melodia obedece a um padrão descritiva, falando do fim do verão, uma época de chuvas e cheia de rios, enchentes, etc. E o que faz a letra? Fica o tempo todo descrevendo o ambiente, em uma pulsação poética onde as palavras parecem pingar como a chuva. A letra quase que faz a gente sentir o cheiro de terra molhada, ouvir o som da chuva. Coisa de mestre.

Nenhum casamento nasce feito – mas começa de um compromisso em fazer certo, e bem feito
Melodias e letras são mutáveis, e podem curvar-se uma à outra para privilegiar o produto final. Mas lamento notar uma coisa no universo das composições. Parece que há, em certos casos, um compromisso de fazer rápido e mais, mas não bem feito. Resultado? Uma montanha de músicas falando sempre a mesma coisa. As melodias mudam, mas o assunto...
É muito comum ver, em igrejas, gente que compõe. São músicos, artistas, que tem técnica para compor, mas parece que tem pouco para falar. Aí, para não perder a “música legal” que fizeram, começam a ver se não dá pra encaixar um salmo, ou um versículo, ou “uns aleluias”, uns “santo, santo, santo”, enfim, clichês em geral. Assim nascem algumas barbaridades.
Respeitando um ao outro, e fazendo valer o compromisso
Sempre há jeito. Sempre há soluções melhores do que desistir. Toda melodia merece uma letra que presta, e toda letra que presta merece uma melodia que a carregue adiante. Não é assim com casamento? Nem todo dia há paixão. Também há supermercado e fraldas sujas. Mas o compromisso assumido deve valer para a vida toda.
Composição? Esqueça o romantismo. O letrista é um poeta só na idéia que se faz dele, pois na prática tanto o poeta como o letrista suam a camisa para terminar a obra. Toda composição é, enfim, 1% de inspiração e 99% (ou mais) de transpiração.

Regras? Ora, se os grandes artistas só fossem seguir regras, o que seriam das obras primas? Casar uma letra com uma música é muito mais sentimento do que técnica. Voltando ao exemplo do Tom Jobim lá do início, tenho a impressão que uma letra como aquela só se faz cantando, tocando, rabiscando, alterando, testando, experimentando, mexendo aqui e alí, até a hora em que o autor “sente” que está bom. Não pergunte a ele o que é, mas confie que ele sabe.

Mas que elas existem, existem Todo compositor tem uma lição de casa para fazer. Quem compõe música tem que ouvir muito mais do que compor. E quem escreve letras, tem que ler muito mais do que escrever (eu me arrisco a dizer que deve-se ler 10 vezes mais do que se escreve). Como bem se diz: “quem pouco lê, pouco entende, pouco fala, pouco vê”
Quem escreve tem que saber o idioma em que escreve. Quem compõe precisa ter um mínimo de conhecimento musical para saber se expressar. Enfim, há arte, mas toda arte requer um grande volume de esforço. Aos que pensam que compor é coisa simples digo que “os vagabundos que me perdoem, mas suor é fundamental”.

Canção ganha enquete da melhor música brasileira da história, realizada  pela Ilustrada junto a personalidades e jornalistas
 
 "Águas de Março", de Tom Jobim, vence eleição

 LÚCIO RIBEIRO /18 Mai 2001


São 

quinta-feira, 16 de junho de 2011

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Quando a alma faz de conta...Pirlimpsiquice.

Em Primeiras Estórias as personagens são quase sempre seres à margem da sociedade, desconsiderados, sucedendo-lhes intrigas que intensificam seu estado miserável, aparentemente tornando remotíssimas suas possibilidades de ascensão. Mas eis que "de-repente" da fonte menos esperada e do modo mais inusitado surge-lhes o sucesso. O enredo inventado pelos alunos vale muito mais do que o convencional drama edificante (que faz parte da "cultura" e da "boa" educação canonizadas) e ridiculariza os preceitos do mestre de escola : "—Representar é aprender a viver além dos levianos sentimentos, na verdadeira dignidade." (Primeiras Estórias, página 41.)



Aliás, a própria palavra pirlimpsiquice, quando decomposta revela como possível significado uma mania de alma ou consciência impregnada de magia infantil. Suas personagens são seres diferentes: são crianças, velhos, pessoas à margem da sociedade que se comportam de forma estranha e às vezes surpreendente. Daquele de quem menos se espera e da forma mais inusitada surge a resolução da intriga.


AS PERSONAGENS


Eu narrador: retraído, mal-à-vontade em qualquer cena, não servia para nenhum papel, mas aluno aplicado portador de voz variada serviria de partida como ponto, mestre do ponto, assumiu o papel do Doutor Famoso, o de Ataualpa que partira.
Zé Boné: [dual do protagonista] extrovertido, não se acanhava de ser o pior, beócio, era objeto de riso. Interpretava sem parar. Papel original: um policial com escasso falar. Papel final: salvou a situação que havia ficado tensa.
Ataualpa: o "Peitudo". Junto com Darcy, um dos mais decididos e respeitados. Filho de um deputado. Papel original: o Doutor Famoso. Deveria iniciar a peça recitando uns versos que só ele sabia. Não pôde representar devido ao pai estar à beira da morte.
Padre Diretor: responsável pela integração do eu narrador na peça como o ponto. Ele era abstrato e sério. Julgou que faltava naturalidade na encenação do quinto ato da primeira estória, mas se riu, como ri Papai Noel, na noite do teatrinho.
Padre Prefeito: É quem fez a comunicação sobre o drama. Tem modo solene. É um dos espectadores. Ordenou que abaixassem o pano que não abaixava por estar enguiçado.
Dr Perdigão: [perdiz grande -- nome que sugere impostura e ridículo], lente de corografia (corografia é o estudo ou descrição geográfica de determinado território) história-pátria, ensaiador de fala difícil e sérias barbas. É cognominado Dr. Avante
E muitos outros personagens que perfazem o contexto da estória.


A FÁBULA

O evento que serve de base para este conto é aquilo que aconteceu na noite do teatrinho: aquilo que parecia mecânico e ensaiado demais, "sem ataque de vida válida" passa a ser muito verdadeiro naquele momento. Não só para o protagonista como também para os demais que o assistiam. A noite do teatrinho era a própria vida, mais que isso, era o "transviver".
 Num internato católico doze alunos são escolhidos para representar o drama "Os Filhos do Doutor Famoso". Os eleitos decidem segredar o drama e passam a comportar-se da melhor maneira possível. Um dos doze não parece muito confiável. É extrovertido e meio maluco. Alguns outros alunos que provocam temor, não são incluídos entre os doze e talvez de algum modo tentem desvelar o secreto drama. Assim os futuros atores decidem inventar uma segunda estória para o caso de serem obrigados a falar algo sobre a peça. Nesse ínterim, preparativos de toda sorte estão sendo realizados visando a noite do teatrinho. Correm rumores no colégio de que já é conhecida verdadeira estória. Uma terceira estória completa é apresentada por certo aluno como sendo a verdadeira. O ensaio geral é excelente, apesar de que o padre Diretor, assistindo à apresentação do quinto ato, critica a ausência de naturalidade.
O dia se aproxima trazendo grande ansiedade. Horas antes da apresentação chega a notícia de que o pai de um dos doze, cujo papel é "o Doutor Famoso", está à beira da morte, de modo que este é obrigado a viajar para outro estado. Assim outro aluno o substitui, o ponto: o eu narrador. E o ensaiador passa a ser o ponto. No palco, teatro cheio, plateia expectante, o eu narrador lembra-se de que desconhece os primeiros versos, a abertura da peça. O eu- narrador improvisa um verso sobre a Virgem e a Pátria. Aplausos.
O pano não desce. A platéia vaia. As demais personagens se perdem no palco. De repente, aquele aluno meio maluco, não muito confiável, começa a representar. Mas o que ele representa é em parte a terceira estória. Os demais contracenam representando a segunda, a deles. O espetáculo torna-se um grande sucesso. O público aprecia muitíssimo. Mas na verdade o que se representa é uma quarta estória, gerada extemporaneamente, transportando, não só a plateia, como também as personagens para um plano de encanto e arrebatamento.
Parece não haver como terminar a estória, como tirar todos aqueles seres desse encantamento. Destarte, o eu-narrador-personagem aproxima-se da beira do palco, falando sempre, propositadamente dá uma cambalhota e cai. No outro dia, são, ele briga com um dos propagadores de estórias que o provoca.
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segunda-feira, 23 de maio de 2011

Por que é preciso capricho quando se faz um trabalho ? N1...Adivinhem!


NOME------------------------------------------------------ano 9°-----
DATA :

N1 – 2° Trimestre -LITERATURA- Elementos estruturais do conto

INSTRUÇÕES ;
1- Imprima esta página, identificando-se nela.
2- Responda às questões propostas à TINTA – MANUSCRITAS, numerando-as.
3- Valor = 4 pontos.
4- A notas serão atribuídas de acordo com a QUALIDADE DAS RESPOSTAS . Lembre-se de que esta é uma avaliação de Língua Portuguesa.
5- NÃO SERÁ ACEITA A AVALIAÇÃO EM QUALQUER FOLHA. Utilize o papel timbrado da escola para sua resposta ,preenchendo o cabeçalho .Quando pronto, deverá ser grampeado à folha impressa.

Data de entrega: IMPRETERIVELMENTE - 30 DE MAIO – 9°A e 9°B  /  01 DE JUNHO -9° C
Não serão aceitos trabalhos fora do prazo.


Elementos Estruturais do Conto.

Simule a criação de um conto a partir de alguns elementos básicos para desenvolvê-lo.
Ao responder às perguntas abaixo , você estará iniciando o seu trabalho. Procure criá-lo com coerência e lógica, porque esses dados poderão, posteriormente, ampliar-se em um texto completo.: O SEU CONTO.

1- Acepção da idéia central. O que acontece no conto, qual é o enredo principal?
Mistério, terror, infantil,fantasia,psicológico,humor,tragédia, vingança, traição,religioso, romance...ou outro.

2- O foco narrativo : quem conta a história?Explique.

3-Qual é o conflito?É interno ou externo?Obstáculos da natureza ou criados por personagens (vilões/ antagonistas)?

4-Onde ocorre a trama? Cenário/ espaço:descreva-o.
Rua,casa, floresta, cidade do interior, metrópole, um quarto, um hotel...outros.

5-Quando acontece? Temporalidade .

6-Quem são os personagens? Dê-lhes nome e identidade. Descrição física e perfil psicológico .


                                         

domingo, 22 de maio de 2011

A menina de lá ...in Primeiras Estórias.

linóleo de momartins22

João Guimarães Rosa.

No isolamento da roça, num lugar chamado “Temor-de-Deus”, localizado atrás da Serra do Mim, vivia uma estranha meninha chamada Nhinhinha. É notável como os topônimos iniciais já conferem ao conto uma aura de misticismo, que será progressivamente mesclado com um processo de sondagem do inconsciente.

Nhinhinha inventava estórias absurdas, como a da abelha que se vou para uma nuvem ou da necessidade “de fazer uma lista das coisas todas que no dia por dia a gente vem perdendo. Intercalava suas brincadeiras com frases do tipo “A gente não vê como o vento acaba”, ou “Eu quero ir para lá”.


Quando a família falava dos parentes mortos, ela se ria dizendo: - “Vou visitar eles...” Tiantônia foi a primeira a perceber os dotes paranormais da menina: certa manhã ouviu-a dizer que queria um sapo; instante depois, entra pela sala uma “rã verdíssima”, indo direto para os pés de Nhinhinha. A família decide guardar o segredo:

“(...) não viessem ali os curiosos, gente maldosa e interesseira, com escândalos. Ou os padres, o bispo, quisessem tomar conta da menina, levá-la para sério convento. Ninguém, nem os parentes mais de perto, devia saber. Também, o pai, Tiatônia e a mãe, nem queriam versar conversas, sentiam um medo extraordinário da coisa. Achavam ilusão.”

Muitos prodígios se sucederam: o que ela falava acontecia. Quando a mãe adoecera, suas dores foram aliviadas pelo abraço e beijo quente da filha. Como as terras do roçado estavam secas, anunciando a perda total da colheita, o pai manifesta seu desespero e procura convencer a filha a pedir chuva. Dois dias depois, Nhinhinha “quis” uma arco-íris: choveu e, logo depois, um “vivo cor-de-rosa” desenhou-se no céu! Nesse dia, os pais não entenderam o motivo da menina Ter sido duramente repreendida pela tia. Dissimularam sua revolta, contentes com a perspectiva risonha que o futuro lhe acenava, alimentando projetos de desfrutarem economicamente a paranormalidade da filha.

Foi aí que Nhinhinha adoeceu e morreu. Abatidos pela tristeza, os pais, ao tomarem as primeiras providências para um enterro com “acompanhamento de virgens e anjos”, são interrompidos por Tiantônia, que lhes conta o motivo da repressão em Nhinhinha: no dia do arco-íris, a menina dissera que queria um caixãozinho cor-de-rosa com enfeites brilhantes. Diante do derradeiro milagre, os pais como que a beatificam: o conto acaba com a expressão “Santa Nhinhinha”.

Nhinhinha é uma personagem alegórica, que simboliza o lirismo puro da mágica inocência infantil. Ela representa o estágio congênito, inato da sabedoria, numa fase irracional, anterior à consciência lógica. Lembra o arquétipo da “criança primordial” desenvolvida por Jung; segundo essa noção, a criança possui sentido de totalidade ou integridade no conhecimento das coisa, que se manifesta apenas antes do aparecimento do ego consciente, irrompendo sob a forma do misticismo e da ilogicidade.

sábado, 14 de maio de 2011

As Margens da Alegria...in Primeiras Estórias

Analisar um conto com a envergadura de “ As Margens da Alegria” de João Guimarães Rosa é algo complexo pois o universo linguístico de Guimarães provoca uma gama considerável de sensações produzidas pela força que ele impõe às palavras, seja pela desestruturação da gramática, pela criação de neologismos, ou pela aproximação contundente com a linguagem poética.

O conto “As Margens da Alegria” é um olhar sobre a construção de Brasília. O personagem principal é um garoto denominado apenas de “O Menino”. Estruturalmente o conto se divide em cinco blocos. A seguir um olhar sobre cada bloco, seus sinais, índices e símbolos:

• A Partida e o Vôo
Os índices deste bloco compõem a aventura de uma viagem inédita: “era uma viagem inventada no feliz” “para ele produzia-se em caso de sonho”. Tudo se configura novo e bom para o Menino, por isso Guimarães opta por palavras que trazem a doçura, a alegria inerente da infância: “fremia no acorçôo, alegre de se rir para si”; percebe-se também a indeterminação, a inconsequência no sentido mais benéfico da palavra: “confortavelzinho, com um jeito de folha a cair”. Verifica-se os índices das facilidades da infância em que desejos são satisfeitos: “e as coisas vinham docemente de repente”. Tudo transpira liberdade: “O azul de só ar”. simbolizada pelo ato de voar, ainda a grande aventura humana, ver tudo de cima, “aquela claridade à larga”, a nova perspectiva de olhar, de conhecer a cidade grande sendo construída, de ter apenas “a luz e a longa-longa-longa nuvem.” Neste primeiro bloco tudo é índice de segurança, conforto, felicidade aliada a experiência segura de conhecer o inédito: “especial, de quatro lugares”, “forte afago” “proteção” “harmonia prévia, benfazeja” “balas, chicles” “amontoada amabilidade” “macio rumor do avião”

Referente a este bloco temos os sinais demonstrando a construção da cena: “Ia um menino, com os Tios, passar dias no lugar onde se construía a grande cidade” “Mãe e pai vinham trazê-lo no aeroporto”. “Respondiam-lhe a todas as perguntas”.

• A Chegada. A fronteira entre o selvagem e o civilizado
No segundo bloco do conto, o avião pousa e o Menino entra em contato com a terra firme e tem sua primeira experiência arrebatadora: a visão de um peru. Neste bloco os índices apontam o mundo dividido em duas dimensões: o selvagem e o civilizado: “a grande cidade começava a fazer-se, num semi-ermo”, “a mágica monotonia”. “a casa” representando a segurança necessária aos habitantes mas feita de “madeira, sobre estações, quase penetrando na mata”.

O índice principal da ausência de fronteira entre os dois universos é ausência de “quintal”. Outros elementos que transitam nos dois espaços: árvores, cipós, índios, pássaros, orquideazinhas. Simbolizando o inusitado, a quebra da paisagem, o novo: o peru. É praticamente impossível ficar indiferente a um peru. Sua estranheza visual colocada no conto pelos sinais: “bagas rubras” “a cabeça possuía laivos de um azul-claro” “torneado” “redondoso”, aliada a estranheza sonora que possui, aqui traduzida por Rosa com um neologismo “Grugulejou” “gruziou outro gluglo”, causam sempre um choque.

Os símbolos referentes à construção da cidade podem ser verificados na caracterização dada ao peru: “tinha qualquer coisa de calor, poder e flor, um transbordamento”. Se cada uma destas palavras simboliza Brasília ainda hoje, na sua construção estes símbolos eram muito mais exacerbados. A grande cidade se construía causando surpresa em todos, da mesma forma que a visão do peru alterou o dia do garoto.

• A perda da inocência pelo conhecimento da morte
No terceiro bloco, o Menino vai passear pelas redondezas, ao voltar, procura novamente o peru, e descobre de maneira muito direta que a ave havia sido morta para o “dia-de-anos do doutor”.

Na primeira parte deste bloco, mais um passeio, desta vez em terra firme. Temos aqui uma nova experiência de aprendizado de um mundo ainda bucólico, natural, interiorano, feito de coisas simples, pueris: poeira, malva-do-campo, cobra-verde, arnica, papagaios, pitangas, veado-campeiro, perdizes. Índices de um mundo que se perderia em breve: “em sua memória ficavam, no perfeito puro, castelos já armados”. O mundo como o Menino conheceu desapareceria ao saber da morte do peru: A morte da ligação entre o mundo selvagem e urbano. A morte presente nos índices de rapidez, de inusitado: “tudo perdia a eternidade” “lufo” “átimo”, “de repente” “grão nulo de um minuto”. Aqui a percepção real da mudança inexorável que a Cidade traria a todos, inclusive em sua dimensão de violação da ordem natural.

• O luto, A vitória do urbano
Na quarta parte, o Menino vai para mais um passeio, conhecer as obras do aeroporto. Tudo agora respira diferente, toda a leveza anterior desaparece. O mundo feito de verdes, de bichos, de azuis, de vôo se transforma em “trabalho de terraplanagem” “caminhões de cascalho” “águas cinzentas” “encantamento morto dos pássaros” “o ar cheio de poeira” “mundo maquinal”. O mundo externo era um espelho dos sentimentos do Menino. A perda da inocência reverberava em “compressoras, caçambas, cilindros, betumadoras”. Tudo recende a concreto, ferro, dureza, nada de alegrias, de curiosidades. Este bloco traz toda a simbologia da devassidão que o progresso impõe a todos. Símbolo concentrado no ‘assassinato' da árvore. O mundo novo feito de inflexibilidade: “lamina espessa”, “machado”, “derrubadora”. O mundo antigo feito de material orgânico, frágil “arvore: simples sem notável aspecto” “árvore de poucos galhos” é massacrado.

Guimarães cria uma interjeição para expor esta nova morte: “ruh...”. A frase final desta parte é “guardou dentro da pedra”. Pedra aqui simbolizando o túmulo onde se guardará a inocência perdida, o mundo antigo, o passado feito de alegrias e encantamentos, mas passado. O que se tem agora é um céu – atônito de azul.

• O crescimento. A beleza possível.
Na parte final do conto, anoitece, o Menino retorna ao terreiro, vê um outro peru, pensa ser o mesmo, mas engana-se. Depois, reencanta-se com um vagalume. A simbologia deste bloco está na aceitação-conformação do mundo novo. A cidade está construída, a beleza anterior não existe mais, o que existe agora é algo “menor, menos muito”. Mas mesmo deste novo universo, é possível nascer novas “alegrias”, basta não deixar de olhar para o mistério. Os índices que compõe este bloco evidenciam um mundo não tão belo: “faltava em sua penosa elegância o recacho, o englobo”, com evidências de tristeza: “tudo se amaciava em tristeza”, mas também há espaço de crescimento, de tomada de consciência: ‘trabalhava por arraigar raízes”. Guimarães aponta índices de violência, de solidariedade ausente e em seu lugar sentimentos menos nobres: “movia-o um ódio. Pegava de bicar, feroz, aquela outra cabeça”.

O Menino – o Brasil - vivia um momento de transição, de corte de algumas coisas: “a mata, as mais negras árvores, eram um montão demais”, para que novas luzes caíssem sobre a vida. O vagalume, a luzinha verde, singela, vinda da mata, resgatando a alegria.

Brasília construiu-se às custas de muito esforço. Houve, por bem ou por mal, uma alteração na rota da história brasileira, que João Guimarães Rosa com sua Estória retratou de forma poética e intensa no conto “As Margens da Alegria.

Análise do conto “As Margens da Alegria” de Guimarães Rosa, sob a perspectiva da Semiologia de Roland Barthes.
RUBENS DA CUNHA

domingo, 8 de maio de 2011

Primeiras Estórias : o mundo mágico de Guimarães Rosa


"Quando escrevo, repito o que já vivi antes.
E para estas duas vidas, um léxico só não é suficiente.
Em outras palavras, gostaria de ser um crocodilo
vivendo no rio São Francisco. Gostaria de ser
um crocodilo porque amo os grandes rios,
pois são profundos como a alma de um homem.
Na superfície são muito vivazes e claros,
mas nas profundezas são tranqüilos e escuros
como o sofrimento dos homens."

  João Guimarães Rosa nasceu em Cordisburgo (MG) a 27 de junho de 1908 e era o primeiro dos seis filhos de D. Francisca (Chiquitinha) Guimarães Rosa e de Florduardo Pinto Rosa, mais conhecido por "seu Fulô" comerciante, juiz-de-paz, caçador de onças e contador de estórias.

Três dias antes de sua morte o autor decidiu, depois de quatro anos de adiamento, assumir a cadeira na Academia Brasileira de Letras. Os quatro anos de adiamento eram reflexo do medo que sentia da emoção que o momento lhe causaria. Ainda que risse do pressentimento, afirmou no discurso de posse: "...a gente morre é para provar que viveu."


O escritor faz seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras com a voz embargada. Parece pressentir que algo de mal lhe aconteceria. Com efeito, três dias após a posse, em 19 de novembro de 1967, ele morreria subitamente em seu apartamento em Copacabana, sozinho (a esposa fora à missa), mal tendo tempo de chamar por socorro.

Falo: português, alemão, francês, inglês, espanhol, italiano, esperanto, um pouco de russo; leio: sueco, holandês, latim e grego (mas com o dicionário agarrado); entendo alguns dialetos alemães; estudei a gramática: do húngaro, do árabe, do sânscrito, do lituânio, do polonês, do tupi, do hebraico, do japonês, do tcheco, do finlandês, do dinamarquês; bisbilhotei um pouco a respeito de outras. Mas tudo mal. E acho que estudar o espírito e o mecanismo de outras línguas ajuda muito à compreensão mais profunda do idioma nacional. Principalmente, porém, estudando-se por divertimento, gosto e distração.

PRIMEIRAS ESTÓRIAS

Publicadas em 1962, as 21 estórias são narrativas preocupadas em tematizar, simbolicamente, os segredos da existência humana.


Trata-se do primeiro conjunto de histórias compactas a seguir a linha do conto tradicional, daí o "Primeiras" do título. O escritos acrescenta, logo após, o termo estória, tomando-o emprestado do inglês, em oposição ao termo História, designando algo mais próximo da invenção, ficção. Na obra há a intenção de apresentar fábulas para as crianças do futuro.

À primeira vista, a leitura de Primeiras Estórias pode, falsamente, parecer difícil e a linguagem soar erudita e ininteligível, mas essa é uma avaliação precipitada. Na verdade, o autor busca recuperar na escrita, a fala das personagens do sertão mineiro; a poesia presente nas imagens, sons e estruturas de uma linguagem que está à margem da norma estabelecida pelos padrões urbanos.

Quanto ao emprego dos tempos verbais, nota-se que, na maior parte das estórias, o relato se faz através de uma mistura do pretérito perfeito com o pretérito imperfeito do indicativo.

A obra aborda as diferentes faces do gênero: a psicológica, a fantástica, a autobiográfica, a anedótica, a satírica, vazadas em diferentes tons: o cômico, o trágico, o patético, o lírico, o sarcástico, o erudito, o popular.

As personagens embora variem muito quanto à faixa etária e experiência de vida, elas se ligam por um aspecto comum: suas reações psicossociais extrapolam o limite da normalidade. São crianças e adolescentes superdotados, santos, bandidos, gurus sertanejos, vampiros e, principalmente, loucos: sete estórias apresentam personagens com este traço.

A relação com a morte e com o desejo de imortalidade está presente em toda a obra de Guimarães Rosa, mas talvez com mais intensidade em "Primeiras Estórias".

terça-feira, 26 de abril de 2011

O Alienista : Conclusão


A parábola do texto

..não se fala da loucura ou dos loucos, por mais que o Alienista tente fazê-los atuar. De resto, os loucos e sua loucura são uma presença apaziguadora e até cômica ao longo do texto. Fala-se, isso sim, deste homem e de seu discurso que é capaz de produzir a loucura.

Pois é esta a parábola descrita pelo texto: no início da narrativa, não há loucos em Itaguaí, cidade que tinha o “ruim costume”, segundo o Alienista,“de não fazer caso dos dementes”. Estes, quando mansos, andavam à solta, e,quando furiosos, ficavam trancafiados em casa. De resto, eram poucos e não criavam maiores problemas. Quer dizer: não havia loucos em Itaguaí, não havendo quem levantasse a questão científica da loucura.

É este mau costume que o Alienista deseja consertar, introduzindo a esquecida cidadezinha no século da ciência e da razão. Tão logo inicia sua empreitada, eis o que ocorre: uma verdadeira “torrente de loucos”. Eles surgem de toda parte - monomaníacos, loucos por amor, vítimas de mania de grandeza. E, diante da perplexidade geral, simbolizada pelo espanto ingênuo de Pe. Lopes, a quantidade de loucos só faz aumentar na medida em que oAlienista segue em seus estudos e amplia o poder de seus conceitos. No auge,
4/5 da população da cidade está trancafiada dentro dos muros da Casa Verde.

Mas isso não é tudo. Seguindo o curso da parábola, e em função das novas descobertas que faz, Simão Bacamarte desiste de buscar o germe da loucura nos outros, voltando-se para si mesmo como objeto de investigação.

“Reúno em mim mesmo a teoria e a prática”, conclui ele, descobrindo-se sujeito e objeto da ciência nascente. Desta forma, cessando a atividade produtiva da loucura por parte do Alienista, já não há loucos em Itaguaí. Ou há um só.

Parábola em três tempos.

Um: antes da intervenção do psiquiatra não existem loucos.
Dois: sua ação desencadeia uma torrente de loucos.
Três: saindo de cena o cientista, haverá no máximo um louco, ele próprio, que decide
assim se constituir.

Não está em questão, portanto, a natureza da loucura ou de alguma teoria científica. O texto é claro: não há em Itaguaí loucura alguma, exceto a daquele que a produz.

http://www.fflch.usp.br/sociologia/temposocial/site/images/stories/edicoes/v0512/Alienista.pdf

Meus queridos...

Sei que não é fácil ler Machado de Assis na adolescência, aliás nunca é fácil ler esse autor, porque ele nos desafia pelo vocabulário, pelas construções psicológicas brilhantes de personagens, por tramas bem construídas que temos que desvendar, enfim...por n motivos.Mas é assim que se constroem casas e pessoas, tijolo por tijolo.

Somos o que fazemos de nós e se podemos ser melhores por que nos contentarmos em ser medíocres? Portanto, você deve ler Machado porque MERECE O MELHOR...

A prova é circunstancial, mas o que você aprende é para sempre.( mesmo que você diga-hoje- que é"chato").

beijos...e Boa Prova!

segunda-feira, 18 de abril de 2011

O Alienista IV








A exemplo de uma fábula,os acontecimentos aqui narrados  ilustram, simbolizam e criticam os valores da sua época

Simão Bacamarte, médico formado em Portugal, instala-se em Itaguaí, no interior do Rio de Janeiro com o objetivo de estudar a loucura e sua classificação. Ou como ele próprio dizia: "A ciência, é o meu emprego único; Itaguaí é o meu universo." Vem daí a sua idéia de confinar os loucos no mesmo local. 

Com apoio da Câmara Municipal, constrói um hospício, designado pelo nome de Casa Verde. Num primeiro momento, Bacamarte confina os loucos mansos, os furiosos e os monomaníacos, isto é, aqueles que a própria comunidade julgava perturbados. Num segundo momento, após muitas leituras e meditações científicas, o Dr. Bacamarte comunica a seu melhor amigo, o boticário Crispim Soares, a idéia de que "a loucura era até agora uma ilha perdida no oceano da razão;" e que ele começava a suspeitar que ela fosse um continente...

A partir de então o alienista (médico de alienados mentais) põe-se a levar para a Casa Verde cidadãos estimados e respeitados em Itaguaí. Pessoas aparentemente ajuizadas, mas que, segundo as teorias do cientista, revelavam distúrbios mentais. O terror se dissemina na pequena cidade. Ninguém mais sabe quem está são ou quem está doido. Atemorizados, os que ainda não tinham sido conduzidos para o hospício tramam uma rebelião.

A revolta dos Canjicas -

O barbeiro Porfírio, cujo apelido era Canjica, passa por cima da Câmara de Vereadores, que não ousa indispor-se com o alienista, e marcha à frente de uma multidão, rumo à Casa Verde. 

O levante popular - que mais tarde ficaria conhecido como a revolta dos Canjicas -devido ao apelido de seu lider - termina em frente ao hospício. O Dr. Bacamarte recebe a massa rebelada com a autoridade e a coragem do grande cientista que julga ser, deixando o povo perplexo com sua serena superioridade intelectual. Nesse momento, chegam a Itaguaí os dragões (soldados) do Rei, para restaurar a ordem. No meio da confusão, os dragões acabam aderindo aos revoltosos e a revolução triunfa, tendo o barbeiro Porfírio como chefe.

Em seguida, Porfírio procura o Dr. Simão Bacamarte e diz que não pretende mais destruir o hospício. Que bastava uma revisão nos conceitos de loucura do médico, liberando os enfermos que estavam quase curados e os maníacos de pouca monta. Que isso bastaria ao povo. O alienista ouve o barbeiro, fazendo-lhe algumas perguntas sobre o que tinha acontecido nas ruas e conclui que também o líder dos Canjicas estava louco, assim como aqueles que o aclamavam. Em cinco dias, o Dr. Bacamarte mete na Casa Verde cerca de cinquenta adeptos do novo governo, gerando outra grande indignação popular, que só termina quando entra na vila uma força militar, enviada pelo vice-rei.

A partir daí há uma "coleta desenfreada" para o hospício.A partir daí há uma "coleta desenfreada" para o hospício. Quase ninguém escapa. Tudo é loucura para o Dr. Bacamarte. O barbeiro, o boticário Crispim, o presidente da Câmara e a ...


Pois é , meninos e meninas , vale a pena ler o final.Essa história é uma crítica ao comportamento humano , à hipocrisia social ( falsidade) e mostra que , dependendo do ponto de vista que assumimos, a loucura e a razão podem ter muitas faces.

Ainda não acabou. O final é perfeito, vale a pena ler.

domingo, 17 de abril de 2011

O Alienista III


A história contada em O Alienista não existiu na realidade material. Desta perspectiva, ela é inverossímil. Porém, a literatura ficcional faz uso da imaginação para produzir uma narrativa, uma verdade e saber legítimos. O que lemos termina por apresentar aspectos verificáveis em personagens e instituições reais, como os hospícios, hospitais, seus loucos e doentes e os encarregados de instituírem a normalidade e curar. Ainda que não verifiquemos similitude plena entre a narrativa literária e a vida material real, ela nos oferece um saber, uma verdade, que nos permite pensar e questionar o real existente.
 “A arte da ficção cria um texto cuja alta concentração de energias permite a eclosão de uma verdade”, afirma Gomes (id.).

A literatura, como a ciência, também influi sobre a realidade. Sua presença é perceptível através, por exemplo, da influência de determinadas obras sobre as ações dos seus leitores.A literatura também interfere sobre a formação dos valores dos leitores, expressa épocas históricas determinadas e tem incidência social e política. Ela tanto pode contribuir para a consolidação do ideário conservador, quanto para o seu questionamento. Ela tanto pode fortalecer a elite cultural, na medida em que esta se apropria dos recursos e linguagem, constituindo um capital cultural que tem função distintiva, quanto pode favorecer a resistência aos valores capitalistas sedimentados no elitismo cultural. Dessa forma, a linguagem literária, vale afirmar, o saber produzido pela literatura, é fundamental.
Se o texto científico prima pelo formalismo, pela obediência a regras e procedimentos próprios que o caracterizam enquanto tal, o texto literário também segue convenções, mas é capaz de zombar e ir além delas. A literatura se fundamenta na imaginação criativa e, portanto, tem a capacidade de narrar qualquer coisa inerente ao existir humano, isto é, á sua potencialidade inata de pensar e criar. E neste exercício, a obra literária, “pode ridicularizar, parodiar qualquer ortodoxia, crença, valor, imaginar alguma ficção diferente e monstruosa” (CULLER, 1999:46). Talvez por isso os governos e a moral religiosa se vejam eternamente forçados a censurar e impedir que a imaginação humana alce vôos acima das suas estruturas autoritárias.
Para refletir...
O texto acadêmico pressupõe conclusões. Contudo, o objetivo não é o de apresentar elementos conclusivos, mas sim o de estimular a reflexão sobre a literatura enquanto outro saber legítimo e potencialmente crítico. Não se trata de fazer apologia à literatura, nem de contrapô-la ao saber científico, mas de simplesmente reconhecê-la como outro conhecimento humano merecedor das atenções e capaz de contribuir para pensarmos criticamente os valores predominantes na sociedade. Na medida em que uma obra como O Alienista nos permite refletir sobre o poder e a ciência, ela se mostra tão fundamental quanto qualquer texto doutoral fundado em argumentos científicos que tenha o mesmo caráter questionador.
Também não foi nossa intenção esgotar a análise do conto O Alienista na perspectiva adotada. Outros o fizeram e melhor... Almejamos, sim, resgatar o tema e os autores que nos permitam repensar a ciência, o poder e a literatura. Se o leitor nos acompanhou até aqui, já compartilhou desta inquietação e da reflexão sempre necessária sobre a ciência e o poder.Valeu a pena!

E tem mais...

domingo, 10 de abril de 2011

O Alienista II -


Estrutura da obra

Treze capítulos, centrado em crônicas históricas sobre a cidade .

Foco narrativo
O narrador é em 3ª pessoa, onisciente. A  sua intenção  é a análise do comportamento humano: vai além das aparências e procura atingir os motivos essenciais da conduta humana, descobrindo, no homem, o egoísmo e a vaidade. A intencionalidade crítica do narrador não se reflete somente ao ser humano de forma geral. Ele critica, também, a postura do cientista e do extremo cientificismo do final do século XIX.

Tempo
Toda a história se desenvolve no passado, havendo o uso do flashback: "As crônicas da Vila de Itaguaí dizem que, em tempos remotos, vivera ali um certo médico: o Dr. Sr. Bacamarte."O tempos remotos" a que se referem as crônicas, pelas indicações dadas, se remontam à primeira metade do século XVIII ( reinado de D. João V). A ação transcorre, como já se viu, em Itaguaí, "cidadezinha do Estado do Rio de Janeiro, comarca de Iguaçu".

Espaço :
 a cidadezinha de Itaguaí- RJ 
 a Casa Verde ( o manicômio)

Personagens :
 Dr. Simão Bacamarte: o protagonista da estória. A ciência era o seu universo – o seu "emprego único", como diz. "Homem de Ciência, e só de Ciência, nada o consternava fora da Ciência" . Representa bem a caricatura do depotismo cientificista do século XIX (como está no próprio sobrenome). Acabou se tornando vítima de suas próprias idéias, recolhendo-se à Casa Verde por se considerar o único cérebro bem organizado de Itaguaí.

b) D. Evarista:  a eleita do Dr. Bacamarte para consorte de suas glórias científicas. Embora não fosse "bonita nem simpática", o doutor a escolheu para esposa porque ela "reune condições fisiológicas e anatômicas de primeira ordem, estando apta para dar-lhes filhos robustos, são e inteligentes" (p. 179). Chegou a ser recolhida à Casa Verde, certa vez, por manifestar algum desequilíbrio mental.

c) Crispim Soares: o boticário. Muito amigo do Dr. Bacamarte e grande admirador de sua obra humanitária. Também passou pela Casa Verde, pois não soube "ser prudente em tempos de revolução", aderindo, momentaneamente, à causa do barbeiro.

d) Padre Lopes: o vigário local. Homem de muitas virtudes, foi recolhido também à Casa Verde por isso mesmo. Depois foi posto em liberdade, porque sua reverendíssima se saiu muito bem numa tradução de grego e hebraico, embora não soubesse nada dessas línguas. Foi considerado normal apesar da aureola de santo.

e) Porfírio, o barbeiro: sua participação no conto é das mais importantes, posto que representa a caricatura política na satírica machadiana. Representa bem a ambição de poder, quando lidera a rebelião que depôs o governo legal. Foi preso na Casa Verde duas vezes; primeiro, por ter liderado a rebelião; segundo, porque se negou a participar de uma segunda revolução: "preso por ter cão, preso por não ter cão" .

Outros figurantes aparecem no conto. Cada um representando anomalias e possíveis virtudes do ser humano.

sábado, 2 de abril de 2011

O Alienista :vale a pena se envolver.

Machado de Assis em fase de plenitude.
A história contada em O Alienista não existiu na realidade material. Desta perspectiva, ela é inverossímil. Porém, a literatura ficcional faz uso da imaginação para produzir uma narrativa, uma verdade e saber legítimos. O que lemos termina por apresentar aspectos verificáveis em personagens e instituições reais, como os hospícios, hospitais, seus loucos e doentes e os encarregados de instituírem a normalidade e curar. Ainda que não verifiquemos similitude plena entre a narrativa literária e a vida material real, ela nos oferece um saber, uma verdade, que nos permite pensar e questionar o real existente. “A arte da ficção cria um texto cuja alta concentração de energias permite a eclosão de uma verdade”.
A literatura, como a ciência, também influi sobre a realidade. Sua presença é perceptível através, por exemplo, da influência de determinadas obras sobre as ações dos seus leitores.A literatura também interfere sobre a formação dos valores dos leitores, expressa épocas históricas determinadas e tem incidência social e política. Ela tanto pode contribuir para a consolidação do ideário conservador, quanto para o seu questionamento. Ela tanto pode fortalecer a elite cultural, na medida em que esta se apropria dos recursos e linguagem, constituindo um capital cultural que tem função distintiva, quanto pode favorecer a resistência aos valores capitalistas sedimentados no elitismo cultural. Dessa forma, a linguagem literária, vale afirmar, o saber produzido pela literatura, é fundamental.
Se o texto científico prima pelo formalismo, pela obediência a regras e procedimentos próprios que o caracterizam enquanto tal, o texto literário também segue convenções, mas é capaz de zombar e ir além delas.
 A literatura se fundamenta na imaginação criativa e, portanto, tem a capacidade de narrar qualquer coisa inerente ao existir humano, isto é, á sua potencialidade inata de pensar e criar. E neste exercício, a obra literária, “pode ridicularizar, parodiar qualquer ortodoxia, crença, valor, imaginar alguma ficção diferente e monstruosa” (CULLER, 1999:46). Talvez por isso os governos e a moral religiosa se vejam eternamente forçados a censurar e impedir que a imaginação humana alce vôos acima das suas estruturas autoritárias.
 O ALIENISTA
 Publicado no jornal A ESTAÇÂO entre 1881 e 1882, a temática central conduz o leitor a uma eterna reflexão sobre os limites entre a insanidade e a razão; o poder da palavra, a loucura da ciência e as relações estabelecidas na sociedade do período. Neste caso, ao utilizar a questão da loucura enquanto uma alegoria, o conto machadiano encerra novas possibilidades de estudo, por ser um relato que apresenta ao leitor os rituais de subserviência, bajulação e clientelismo presentes no Brasil em finais do século XIX. Em contrapartida, o texto questiona o poder das teorias científicas evolucionistas, positivistas e sócio-darwinistas trazidas da Europa que, neste momento histórico, indicariam as respostas para todos os males desta civilização em busca do progresso.
Em linhas gerais, o conto (dividido em treze capítulos) apresenta a cidade de Itaguaí; e como a chegada do médico Simão Bacamarte, apresentado enquanto o “... filho da nobreza da terra e o maior dos médicos do Brasil, de Portugal e das Espanhas...” (p.273) , modificaria as relações existentes valendo-se do poder conquistado através da utilização dos experimentos e pensamento científico.
No primeiro momento, nos deparamos com a personalidade científica de Simão Bacamarte presente mesmo na escolha da sua esposa “....D. Evarista era mal composta de feições, longe de lastimá-lo, agradecia-o a Deus, porquanto não corria o risco de preterir os interesses da ciência na contemplação exclusiva, miúda e vulgar da consorte”.(p.273-274). Com essa afirmação, o autor reforça a idéia do conto enquanto uma paródia ao cientificismo presente nas idéias transplantadas para o Brasil, através dos representantes da elite local, como o Simão Bacamarte, que desenvolveram seus estudos na Europa.
Dessa maneira acompanhamos a criação da Casa de Orates, ou Casa Verde, onde o alienista define o seu objetivo “O principal nesta minha obra da Casa Verde é estudar profundamente a loucura, os seus diversos graus, classificar-lhe os casos, descobrir enfim a causa do fenômeno e o remédio universal.” (p.277).
Durante o processo de seleção e classificação dos loucos, que serão vários durante a estória, notamos outra face do conto, dentre os alienados percebemos os loucos “por amor”, os com mania de grandeza que recitavam toda a sua genealogia, ou faziam discurso em latim e grego, os casos de monomania religiosa entre tantos outros . Assim, o asilo se transforma não somente em um local de enclausuramento dos loucos mas um retrato da sociedade vigente com seus extratos sociais delimitados e classificados.
 ( continua...)

domingo, 13 de março de 2011

Roteiro de estudo para a prova mensal-1°tri-Nonos anos.


Analisando o Caderno de Contos...


Ler uma história bem escrita é desfrutar do prazer de conhecer os meandros de uma trama bem urdida , da alma humana e suas características , nem sempre positivas. Analisar a mesma história é entender sua criação , de que maneira ela se processou e que elementos o autor utilizou para se comunicar com o leitor.

Depois da leitura dos contos :
Vestida de Preto,
A Causa Secreta,
O gato preto e
Gaetaninho,
podemos fazer algumas considerações úteis para um estudo sobre eles:

1-Quando se pretende analisar um conto,é preciso determinar o foco narrativo. Aos narradores chamamos “ pessoas do discurso”. Quem conta a história? O personagem principal-1° pessoa? Um personagem secundário que dela participa como observador? Ou o autor- em 3° pessoa – *onisciente?
*onisciência: s.f. Saber absoluto; conhecimento de tudo.
Você tem à sua disposição 4 contos : avalie o foco narrativo de cada um deles.


2-Toda história precisa ter começo , meio e fim para que seja compreendida. Essa sequência é o que chamamos de linear – a ordem é direta. Porém, há contos memoráveis, em que a história se passa em *flashback.
*Flashback é uma interrupção na sequência temporal de um filme, história narrada ou peça de teatro, que leva a narrativa de volta no tempo a partir do ponto em que a história chegou, a fim de apresentar o relato de eventos passados. Realiza-se da seguinte maneira: a ação do presente é interrompida de forma instantânea e uma cena anterior é mostrada ao espectador ou leitor. A técnica é usada para criar um suspense ou um efeito dramático mais forte na história, ou ainda, para desenvolver um personagem.
Observe se algum dos contos que você analisou está em flashback.


3-O que leva o leitor a querer ler uma obra é, sem dúvida, um conjunto de fatores, mas personagens bem construídos são determinantes para instigar alguém à leitura, principalmente se as características psicológicas predominarem sobre as físicas.
Nos contos estudados os personagens são muito ricos quanto à sua construção de caráter e identidade moral. Procure compará-los e encontrar pontos de identidade/diferenças entre eles.


4-Toda história tem um *clímax.
*Clímax, numa narrativa, é o ponto alto de tensão do drama.A partir daí , o conto toma rumos que podem surpreender o leitor.Porém , há aqueles que nos surpreendem pelo **Anticlímax: desfechos que quebram a expectativa que o próprio enredo provoca no leitor.
Observe os contos lidos, determine o clímax ou anti-clímax de cada um deles.


5- O espaço e o tempo em que a ação transcorre é de fundamental importância, dependendo da história que se narra. Quando os personagens são densos psicologicamente, o espaço interior predomina sobre o exterior.Isso fica claro em “A causa secreta “.Porém , o mesmo não ocorre em “Gaetaninho”.
Observe o exposto acima nos contos citados. Fale sobre o espaço e o tempo em que as 4 narrativas se desenvolvem.

6- Sem dúvida alguma , sempre que se analisa uma obra, pergunta-se : sobre o que ela fala? Qual é o tema ( assunto) central desenvolvido nela?
Procure definir o tema de cada um dos contos que você leu.


É claro que não se esgota a análise de uma obra apenas pelos itens supracitados, mas eles são suficientes para que se tenha uma visão geral de que escrever é uma arte e requer cuidado e talento.

Espero tê-los ajudado, meninos(as).O que ainda falta está em suas mãos: estudar!
Boa prova!



OBS importante : A teoria aprofundada sobre o assunto encontra-se exposta nos dois posts anteriores a esse. E todos os contos foram devidamente esmiuçados em postagem individual -em sequência-para cada um deles.

terça-feira, 8 de março de 2011

O Conto II -Teoria.


Continuação...

Começo e Epílogo no Conto


O cuidado do contista está mais em como iniciar a narrativa, pois das primeiras linhas depende o futuro do conto, do que em terminar. Se o leitor se deixa prender desde o começo, certamente irá até o fim; do contrário esmorece e passa adiante. Acontecendo muito próximos o começo e o fim, o contista não pode perder tempo em delongas, então o epílogo se incrusta na introdução e atraído pelo mistério intuído o leitor vai em busca do final dramático que desconhece, que mal pode imaginar, mas que lhe põe a sensibilidade em sobressalto.

Como a fabulação começa próxima do fim há grande importância em como mostrar o passado anterior ao fato para justificar as páginas seguintes. O contista não pode deter-se no início em prejuízo do restante. Não há que perder tempo em principiar, já que se está orientado para um fim que de súbito se anuncia, num movimento acelerado que oferece ao leitor uma impressão instantânea de drama, de luz ou de som.

O epílogo pode ser enigmático, imprevisível, surpreendente e destituído de enigma surpresa ou imprevisto (conto moderno), mas mesmo nesse caso se respeitam as características fundamentais do conto.

Como fiapos de arte e de vida a imagem da existência fornecida pelo conto é fragmentária e por vezes excessivamente densa. O que o leitor procura no conto é o desenfado e o deslumbramento perante o talento que alcança pôr em reduzidas páginas, tanta humanidade em drama. (Moisés, p.142-3).

Cabe ressaltar que no prefácio, o autor expõe que a obra em questão não é propriamente uma obra de Teoria Literária; o escopo da obra era oferecer ao leitor uma iniciação, uma introdução ao exame de alguns problemas fundamentais de teoria e filosofia da literatura.



MOISÉS, Massaud. A Criação Literária. São Paulo: Melhoramentos, 1973, pp.119 a 143.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

O Conto I (teoria)

Do ângulo dramático, é unívoco, univalente. Constitui uma unidade ou célula dramática: um só conflito, um só drama, uma só ação. Tudo leva a um mesmo objetivo, a um mesmo ponto. Ao conto aborrece as divagações, digressões, excessos (Moisés, p. 124). É um drama que apresenta um fim em si próprio, com começo, meio e fim, corresponde ao momento mais importante da vida da personagem, sem importar o antes ou o depois. Pode haver uma "síntese dramática", mas o passado e o futuro possuem pouco ou nenhum significado.


No conto há unidade de ação, espaço, tempo e tom. Em relação ao espaço, o lugar físico em que a ação decorre possui interesse dinâmico. Em relação ao tempo, o período é sempre curto, horas ou dias (ou não será um conto). Preocupa-se com o centro nevrálgico da questão, sendo objetivo e atual, vai direto ao ponto, sem deter-se em pormenores secundários. Essa objetividade é ressaltada justamente pela unidade de ação, lugar e tempo. Quanto ao tom, a intenção é provocar no espírito do leitor uma só impressão: pavor, piedade, ódio, simpatia ... ou seus contrários. O conto opera com ação e não com "caracteres". Ele apenas cria situações conflituosas em que todos nós, indistintamente podemos espelhar-nos. Nesse caso as personagens são consideradas como instrumentos da ação. (Moisés, p. 126).


Personagens
As unidades requeridas de ação, tempo, lugar e tom só podem estabelecer-se com poucas personagens. Só não existe o conto com uma única personagem. Se uma só aparecer, outra figura deve estar atuando para a formulação do conflito. Por fim, as personagens tendem a ser estáticas, imóveis no tempo, no espaço e na personalidade. Figura-se uma tela em que se fixa plasticamente o apogeu de uma situação humana. (Moisés, p.127).


Estrutura
Por ser "objetivo", "plástico", "horizontal", costuma ser narrado na terceira pessoa. Usa as palavras suficientes e necessárias, convergindo para o alvo; a imaginação prende-se plasticamente à realidade concreta em verossimilhança com a vida.
Linguagem
À linguagem do conto cabe ressaltar a ação, antes da intenção. Por seu estofo eminentemente dramático, deve ser, tanto quanto possível, dialogado. Sem diálogo não há discórdia, desavença ou malentendido; sem isso não há conflito, nem ação. As palavras como signos de sentimentos, idéias, pensamentos, emoções, podem construir ou destruir. Sem diálogo torna-se impossível qualquer forma completa de comunicação (Moisés, p.128).


O diálogo é a base expressiva do conto. Há quatro tipos de diálogo:
1) direto (discurso direto)- as personagens falam diretamente.
2) indireto (discurso indireto)- o contista resume a fala em forma narrativa, sem destacar o diálogo.
3) indireto livre (discurso indireto livre)- fusão entre a terceira e a primeira pessoa narrativa, entre autor e personagem, "numa espécie de interlocutor híbrido" de modo que a "fala de determinada personagem ou fragmentos dela, inserem-se discretamente no discurso indireto através do qual o autor relata os fatos".
4) diálogo (ou monólogo interior)- acontece dentro, no mundo psíquico da personagem; fala consigo mesma por as palavras conterem "vários níveis de consciência antes que sejam formuladas pela fala deliberada". (Moisés, p 129)


Narração, Descrição e Dissertação
Narração e descrição são pouco utilizadas, mas a descrição pode ter mais importância, dependendo do tipo de história. As personagens dos contos são diferenciadas pelo contorno dramático ou psicológico e não pela fisionomia ou vestimenta. Não há interesse em oferecer desenho acabado das figuras. O drama mora nas pessoas, não nas coisas ou roupagens; estas, quando muito, refletem-no. (Moisés, p. 131).
O uso da dissertação é mais raro ainda, embora alguna contistas de talento o utilizem (como Machado de Assis em Dom Casmurro).


Trama
Sempre linear, objetiva, segue a cronologia do relógio em continuidade semelhante à da vida real. Quando começa, já está perto do epílogo. É dominado pela "precipitação". Apesar disso, contém um mistério, um nó dramático a ser desfeito, sem truques, de forma que o drama explode imprevistamente.
A grande força do conto - e calvário dos contistas - consiste no jogo narrativo para prender o leitor até o desenlace, que é de regra geral um enigma. (Moisés, p. 132)
O final é uma surpresa, deixa uma semente de meditação ou de pasmo diante da nova situação e a narrativa suspende-se e escapa das mãos. A vida continua, mas o conto se fecha completo. Há casos em que o enigma vem diluído ao longo do conto.


Foco Narrativo
Classificação de Cleanth Brooks e Robert Penn Warren:


1) personagem principal conta sua história:é um tanto limitador pois pode parecer juiz em causa própria; oferece a vantagem de dar a ilusão de presentividade; expediente primário e espontâneo.
2) uma personagem secundária conta a história da personagem central:mais distância entre o leitor e o conteúdo da narrativa; quem conta foi ou é testemunha; pode ainda constituir disfarce do autor, mais do que as outras personagens; apresenta mais desvantagens que vantagens e é pouco usado.
3) o escritor, analítico ou onisciente conta a história:acompanha as personagens a todos os lugares, entra-lhes na intimidade, devassa seu mundo psicológico, esquadrinha-lhes os abismos inconscientes e subconscientes, conhece-lhes as mínimas palpitações; nesse caso a fabulação perde em impacto por ser indireta, oblíqua, mas ganha em riqueza de situações e pormenores; presta-se a narrativas lentas do gênero psicológico ou introspectivo; perde também em verossimilhança, característica fundamental do conto. (Moisés, p. 135).
4) o escritor conta a história como observador:semelha os defeitos do segundo foco, mas amplia a faixa de observação; suspende ou diminui a penetração psicológica (considerando a referência do terceiro foco) em favor da ação, do conflito, de modo a tornar a narrativa mais linear, menos complexa.Cada foco tem vantagens e desvantagens, então o importante é escolher adequadamente o foco que leve a realizar o intento, que é contar uma história que nos convença. O bom contista não forja a estrutura, nem o ponto de vista (ou foco). Tudo já existe pronto, como um esqueleto, no ato mesmo de contar a história.


Concluindo o tópico, pode-se dizer que "o ficcionista é sempre onisciente, ainda quando pareça conceder aos personagens a primazia da narrativa ou do diálogo (...) porque a obra nasce dele, sobretudo entendendo onisciência não como consciência, mas como conhecimento integral ( isto é, pela memória, pela imaginação, pela reflexão) dos materiais de ficção (isto é, o Homem, a Natureza, o Tempo, a História)." (Moisés, p.136).




Continua...

Fonte :MOISÉS, Massaud. A Criação Literária. São Paulo: Melhoramentos, 1973, pp.119 a 143.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Gaetaninho.

Alcântara Machado
Observamos na obra de Alcântara Machado, como traço mais característico, o uso de expressões italianas para marcar a influência da imigração e da miscigenação racial na constituição da sociedade paulistana.

Em Gaetaninho há uma divisão do conto em cinco cenas, característica notadamente cinematográfica, dada pelo corte narrativo existente de uma cena para outra, introduzindo uma nova situação, em um tempo e espaço também novos. Essa superposição de cenas compõe o todo como uma colagem, como se o narrador estive com uma câmera fotografando cena por cena.
Um dos recursos utilizados pelo autor para ilustrar a ação do personagem é a linguagem radiofônica. Como se fosse um locutor esportivo, o narrador descreve os fatos.

O ambiente da trama é constituído por traços leves, demonstrando uma certa preocupação jornalística, mas que, no entanto, consegue identificar perfeitamente a condição sócio-econômica das personagens, como na passagem:
Ali na Rua Oriente a ralé quando muito andava de bonde. De automóvel ou carro só mesmo em dia de enterro. De enterro ou de casamento. Por isso mesmo o sonho de Gaetaninho era de realização muito difícil. Um sonho.”
Ainda neste trecho, notamos um certo valor social presente no desejo de Gaetaninho de andar de automóvel e ser admirado pelas pessoas, valor que talvez fosse associado como representação da elite, do status econômico.

O final do conto é surpreendente, tanto pela rapidez com que se dá a morte de Gaetaninho, quanto pela ambiguidade causada pela frase “Amassou o bonde”. Tomando-se o sentido do verbo amassar em português e sabendo que em italiano ammazzare significa matar, permite uma dupla interpretação do trecho final, já que não se sabe se foi o garoto que atropelou o bonde ou contrário, o que garante, para um final que parecia ser trágico, um caráter cômico.

Gaetaninho era um jovem que sonhava sempre em ir na frente de um cortejo fúnebre; atropelado por um bonde, acaba realizando, morto, seu sonho.