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terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

A causa secreta : um toque de mestre.


A sociedade em seu comportamento sempre foi o foco dos estudos e das obras machadianas. O autor sempre buscou analisar as atitudes de suas personagens como representações de figuras presentes na sociedade. Mesmo, em muitos momentos, mostrando traços da natureza humana, Machado não os via como aspectos negativos, mas sim como naturais. Qualquer ser humano, dependendo da situação a que seja submetido, pode apresentar características, aparentemente, negativas aos olhos da sociedade.


A natureza humana pode ser representada como uma caixa de surpresas, o homem apresenta-se das mais variadas e surpreendentes formas. Ora movido por seus desejos, ora por convenções sociais.
As personagens de Machado são também representações sociais, vale analisá-las, refletir sobre elas, questioná-las, mas nunca julgá-las, pois pode ser  que em algum momento nos vejamos espelhados e presos a uma realidade já vista na ficção literária.


Esse é um conto surpreendente . Traz em sua temática principal a descoberta do sarcasmo no comportamento de um dos seus personagens (Fortunato), que era capaz de realizar atos de bondade, desde que seu prazer sádico fosse satisfeito. O conto relata a história de dois homens (Fortunato e Garcia), que se conheceram de uma forma interessante, um salva vida do outro. Algum tempo depois acabam por tornarem-se sócios, o que ocasiona uma sucessão de encontros na residência de Fortunato que era casado com Maria Luísa.


Aos poucos, Fortunato vai apresentando características sádicas, tendências para a tortura de animais, fato que deixa a esposa muito angustiada. Quando ela chega a falecer, o marido presencia a cena do amigo (Garcia) que sofre com a morte de sua esposa e tenta beijá-la na testa, ele saboreia o choro de Garcia, considera-o um traidor e tem prazer no seu sofrimento.


 Machado faz talvez um de seus melhores "desenhos psicológicos", mostra que na perfeita normalidade social de Fortunato, um senhor rico, casado e de meia-idade, que demonstra interesse pelo sofrimento, socorrendo feridos e velando doentes, reside, na verdade, um sádico, que transformou a mulher e o amigo num par amoroso inibido pelo escrúpulo.
Este escrúpulo, que proporciona sofrimento ao par, é a causa secreta do prazer de Fortunato e de sua atitude de manipulação de que o rato, no conto, é símbolo.  Mesmo em ambiente burguês, os personagens parecem ratos de laboratório, uma analogia muito explorada pelo autor, na cena  mais forte do conto, em que Fortunato tortura o rato. O trecho a seguir descreve a cena de tortura do animal.


[...] Na mão direita tinha uma tesoura. No momento em que o Garcia entrou, Fortunato cortava ao rato uma das patas; em seguida desceu o infeliz até a chama, rápido para não matá-lo... Garcia estacou horrorizado.
- Mate-o logo! Disse-lhe.
- Já vai
E com um sorriso único, reflexo de alma satisfeita, alguma coisa que traduzia a delícia íntima das sensações supremas, Fortunato cortou a terceira pata ao rato, e fez pela terceira vez o mesmo movimento até a chama [...].


O lento ritual descrito pelo narrador, prolonga ainda mais o prazer da personagem. O narrador não economiza nos detalhes, não encurta a cena, ele a descreve por inteiro ao leitor, o que possibilita a percepção do comportamento sádico de Fortunato. Em 3ª pessoa, o narrador onisciente constitui uma notável caracterização psicológica em que revela, ao fazer o estudo do personagem Fortunato, o ápice do prazer que é conseguido na contemplação da desgraça alheia.
Durante o conto, o narrador apresenta vários indícios, tanto sobre a personalidade de Fortunato, como também da paixão de Garcia por Maria Luísa. O trecho a seguir retrata um comportamento de crueldade de Fortunato.


[...] Ia devagar, cabisbaixo, parando às vezes, para dar uma bengalada em algum cão que dormia [...]. Essa atitude permite ao leitor refletir sobre possíveis atos de maldade que a personagem faria, pois demonstra que se divertia com o sofrimento alheio.


Outros trechos como: Garcia foi lá domingo. Fortunato deu-lhe um bom jantar, bons charutos e boa palestra, em companhia da senhora, que era interessante. [...] Era esbelta, airosa, olhos meigos e submissos [...] Maria Luísa ficou desconsolada com a zombaria do marido; mas o médico restituiu-lhe a satisfação anterior [...] Garcia começou a sentir que alguma coisa o agitava quando ela aparecia. Esses fragmentos do texto demonstram que a trama de um triângulo amoroso estava se formando lentamente. Aparecem como sinais indicativos para o desfecho do conto.


A personagem de Maria Luísa se mostra como uma figura feminina frágil, submissa, sensível e temerosa. Ela detestava os traços de crueldade do marido, sua frieza pra lidar com sangue, com doenças. Ele sempre tentava convencê-la de que era normal, ela que era fraca .
Ao final do conto, com a doença e morte de Maria de Luísa desvenda-se a causa secreta, tanto da possibilidade de traição como da personalidade sádica de Fortunato que se deleita com o sofrimento do amigo. Fortunato, à porta, onde ficara, saboreou tranqüilo essa explosão de dor moral que foi muito longa, deliciosamente longa. Fortunato que inicialmente se mostra dedicado à doença da mulher, esquece-se da dor de uma possível traição, deixando a mostra sua verdadeira personalidade sádica.


É fantástico perceber como o autor desnuda aqui um comportamento doentio que norteia ações que aos olhos da sociedade podem parecer da mais completa bondade e dedicação ao próximo. É um tema muito comum em Machado de Assis a ideia de que a aparência opõe-se radicalmente à essência.


Fonte: http://www.webartigos.com/articles/23248/1/NOITE-DE-ALMIRANTE-E-A-CAUSA-SECRETA-DE-MACHADO-DE-ASSIS-VESTIGIOS-DE-CRUELDADE-SARCASMO-E-IRONIA-NA-NATUREZA-HUMANA/pagina1.html#ixzz1DJm85VP8

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