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domingo, 17 de abril de 2011

O Alienista III


A história contada em O Alienista não existiu na realidade material. Desta perspectiva, ela é inverossímil. Porém, a literatura ficcional faz uso da imaginação para produzir uma narrativa, uma verdade e saber legítimos. O que lemos termina por apresentar aspectos verificáveis em personagens e instituições reais, como os hospícios, hospitais, seus loucos e doentes e os encarregados de instituírem a normalidade e curar. Ainda que não verifiquemos similitude plena entre a narrativa literária e a vida material real, ela nos oferece um saber, uma verdade, que nos permite pensar e questionar o real existente.
 “A arte da ficção cria um texto cuja alta concentração de energias permite a eclosão de uma verdade”, afirma Gomes (id.).

A literatura, como a ciência, também influi sobre a realidade. Sua presença é perceptível através, por exemplo, da influência de determinadas obras sobre as ações dos seus leitores.A literatura também interfere sobre a formação dos valores dos leitores, expressa épocas históricas determinadas e tem incidência social e política. Ela tanto pode contribuir para a consolidação do ideário conservador, quanto para o seu questionamento. Ela tanto pode fortalecer a elite cultural, na medida em que esta se apropria dos recursos e linguagem, constituindo um capital cultural que tem função distintiva, quanto pode favorecer a resistência aos valores capitalistas sedimentados no elitismo cultural. Dessa forma, a linguagem literária, vale afirmar, o saber produzido pela literatura, é fundamental.
Se o texto científico prima pelo formalismo, pela obediência a regras e procedimentos próprios que o caracterizam enquanto tal, o texto literário também segue convenções, mas é capaz de zombar e ir além delas. A literatura se fundamenta na imaginação criativa e, portanto, tem a capacidade de narrar qualquer coisa inerente ao existir humano, isto é, á sua potencialidade inata de pensar e criar. E neste exercício, a obra literária, “pode ridicularizar, parodiar qualquer ortodoxia, crença, valor, imaginar alguma ficção diferente e monstruosa” (CULLER, 1999:46). Talvez por isso os governos e a moral religiosa se vejam eternamente forçados a censurar e impedir que a imaginação humana alce vôos acima das suas estruturas autoritárias.
Para refletir...
O texto acadêmico pressupõe conclusões. Contudo, o objetivo não é o de apresentar elementos conclusivos, mas sim o de estimular a reflexão sobre a literatura enquanto outro saber legítimo e potencialmente crítico. Não se trata de fazer apologia à literatura, nem de contrapô-la ao saber científico, mas de simplesmente reconhecê-la como outro conhecimento humano merecedor das atenções e capaz de contribuir para pensarmos criticamente os valores predominantes na sociedade. Na medida em que uma obra como O Alienista nos permite refletir sobre o poder e a ciência, ela se mostra tão fundamental quanto qualquer texto doutoral fundado em argumentos científicos que tenha o mesmo caráter questionador.
Também não foi nossa intenção esgotar a análise do conto O Alienista na perspectiva adotada. Outros o fizeram e melhor... Almejamos, sim, resgatar o tema e os autores que nos permitam repensar a ciência, o poder e a literatura. Se o leitor nos acompanhou até aqui, já compartilhou desta inquietação e da reflexão sempre necessária sobre a ciência e o poder.Valeu a pena!

E tem mais...

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