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domingo, 7 de fevereiro de 2010

Contos Novos : Mário de Andrade.


Contos Novos, publicados postumamente, em 1947, escritos por Mário de Andrade num período de crise pessoal, teve publicação póstuma. Reúne narrativas da maturidade artística do autor, marcadas pela maior depuração compositiva e estilística. "Eu também me gabo de levar de 1927 a 42 pra achar o conto, e completá-lo em seus elementos" (Carta a Alphonsus de Guimaraens Filho).

A criação de seus nove textos foi esmerada, a ponto de haver um artesanato perfeccionista. Basta observar “Frederico Paciência”, por exemplo, em que o autor levou 18 anos em sua confecção.

Mais do que os fatos exteriores, os relatos procuram registrar o fluxo de pensamento das personagens. Os contos destacam São Paulo, capital e interior, nas décadas de 20 a 40; o processo de urbanização e industrialização (cidade); e o duelo patriarcalismo X progressismo (ambiente rural).

Entretanto, apenas quatro dessas narrativas foram criadas com o narrador em primeira pessoa,projetando o "alter-ego" do autor. O Peru de Natal, Vestida de Preto, Frederico Paciência e No Tempo da Camisolinha, centram-se no eixo de individualidade de Juca, protagonista-narrador. Por meio de evocação memorialista, em profunda introspecção, ele relembra a infância, a adolescência e o início de vida adulta.

Os contos em 1ª pessoa, apresentam caráter autobiográfico.

Tempo da camisolinha [infância]. Aos três anos de idade, quando ainda vestia camisolinha como as meninas, o personagem-narrador tem os cabelos cortados por ordem paterna. Sofre com esta violência um trauma que, no entanto, é compensado pelas três estrelas-do-mar - estrelas da “boa sorte” – que ganha de pescadores em Santos, onde passava férias com a família. Um velho operário sofrido e sem sorte, a quem se sente obrigado a dar a maior das estrelas, vem de novo frustrá-lo uem uma descoberta dolorida e difícil da existência da dor e da necessidade de solidariedade humana.
À sua maneira, a narrativa torna-se cíclica: o sofrimento vivido com a perda dos cachos castanhos retorna na perda da estrela-do-mar... é o homem que se forma através de perdas sucessivas, de sofrimentos contínuos, "no infinito dos sofrimentos humanos".


(Adolescência)Em “Frederico Paciência”, os termos de que o personagem Juca se utiliza para se referir a sua atração por Frederico são os seguintes:

Senti logo uma simpatia deslumbrada por Frederico Paciência, me aproximei franco dele, imaginando que era apenas simpatia. Mas se ligo a insistência com que ficava junto dele a outros atos espontâneos que sempre tive até chegar na força do homem, acho que se tratava dessa espécie de saudade do bem, de aspiração ao nobre, ao correto, que sempre fez que eu me adornasse de bem pelas pessoas com quem vivo. Admirava lealmente a perfeição moral e física de Frederico Paciência e com muita sinceridade o invejei.”[10]
O narrador seguirá relatando que tal inveja, em vez de despertar-lhe animosidade ou ódio, suscitava nele o desejo de emulação do amigo. "Quis ser ele, ser dele, me confundir naquele esplendor, e ficamos amigos."

Ao descrever a si mesmo e a Frederico, os traços que os individualizam são os seguintes: Juca é fraco, feio, artificial em seus atos de coragem, tem tendência aos vícios e à preguiça. É de inteligência incessante mas principalmente difícil. Frederico"... era aquela solaridade escandalosa." Mais que belo, vitoriosamente belo. Forte, saudável, sincero e diligente nos estudos. Curiosamente, pode-se notar que Frederico tem o cognome Rico (com r fraco), dado pela mãe; a Juca, ficaremos sabendo, envergonhava o fato de que o pai fora operário em mocinho.

Os elementos impõem de maneira, a meu ver, inconteste, as analogias com o que, vimos, caracteriza a concepção platônica do amor. Atração do inferior pelo superior, a partir da reminiscência que acorda no amante aquela "saudade do bem" e que o faz desejar fundir-se no esplendor da imagem em que se lhe figura o Belo.


Continua em ...." Vestida de Preto "

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