Powered By Blogger

sábado, 14 de maio de 2011

As Margens da Alegria...in Primeiras Estórias

Analisar um conto com a envergadura de “ As Margens da Alegria” de João Guimarães Rosa é algo complexo pois o universo linguístico de Guimarães provoca uma gama considerável de sensações produzidas pela força que ele impõe às palavras, seja pela desestruturação da gramática, pela criação de neologismos, ou pela aproximação contundente com a linguagem poética.

O conto “As Margens da Alegria” é um olhar sobre a construção de Brasília. O personagem principal é um garoto denominado apenas de “O Menino”. Estruturalmente o conto se divide em cinco blocos. A seguir um olhar sobre cada bloco, seus sinais, índices e símbolos:

• A Partida e o Vôo
Os índices deste bloco compõem a aventura de uma viagem inédita: “era uma viagem inventada no feliz” “para ele produzia-se em caso de sonho”. Tudo se configura novo e bom para o Menino, por isso Guimarães opta por palavras que trazem a doçura, a alegria inerente da infância: “fremia no acorçôo, alegre de se rir para si”; percebe-se também a indeterminação, a inconsequência no sentido mais benéfico da palavra: “confortavelzinho, com um jeito de folha a cair”. Verifica-se os índices das facilidades da infância em que desejos são satisfeitos: “e as coisas vinham docemente de repente”. Tudo transpira liberdade: “O azul de só ar”. simbolizada pelo ato de voar, ainda a grande aventura humana, ver tudo de cima, “aquela claridade à larga”, a nova perspectiva de olhar, de conhecer a cidade grande sendo construída, de ter apenas “a luz e a longa-longa-longa nuvem.” Neste primeiro bloco tudo é índice de segurança, conforto, felicidade aliada a experiência segura de conhecer o inédito: “especial, de quatro lugares”, “forte afago” “proteção” “harmonia prévia, benfazeja” “balas, chicles” “amontoada amabilidade” “macio rumor do avião”

Referente a este bloco temos os sinais demonstrando a construção da cena: “Ia um menino, com os Tios, passar dias no lugar onde se construía a grande cidade” “Mãe e pai vinham trazê-lo no aeroporto”. “Respondiam-lhe a todas as perguntas”.

• A Chegada. A fronteira entre o selvagem e o civilizado
No segundo bloco do conto, o avião pousa e o Menino entra em contato com a terra firme e tem sua primeira experiência arrebatadora: a visão de um peru. Neste bloco os índices apontam o mundo dividido em duas dimensões: o selvagem e o civilizado: “a grande cidade começava a fazer-se, num semi-ermo”, “a mágica monotonia”. “a casa” representando a segurança necessária aos habitantes mas feita de “madeira, sobre estações, quase penetrando na mata”.

O índice principal da ausência de fronteira entre os dois universos é ausência de “quintal”. Outros elementos que transitam nos dois espaços: árvores, cipós, índios, pássaros, orquideazinhas. Simbolizando o inusitado, a quebra da paisagem, o novo: o peru. É praticamente impossível ficar indiferente a um peru. Sua estranheza visual colocada no conto pelos sinais: “bagas rubras” “a cabeça possuía laivos de um azul-claro” “torneado” “redondoso”, aliada a estranheza sonora que possui, aqui traduzida por Rosa com um neologismo “Grugulejou” “gruziou outro gluglo”, causam sempre um choque.

Os símbolos referentes à construção da cidade podem ser verificados na caracterização dada ao peru: “tinha qualquer coisa de calor, poder e flor, um transbordamento”. Se cada uma destas palavras simboliza Brasília ainda hoje, na sua construção estes símbolos eram muito mais exacerbados. A grande cidade se construía causando surpresa em todos, da mesma forma que a visão do peru alterou o dia do garoto.

• A perda da inocência pelo conhecimento da morte
No terceiro bloco, o Menino vai passear pelas redondezas, ao voltar, procura novamente o peru, e descobre de maneira muito direta que a ave havia sido morta para o “dia-de-anos do doutor”.

Na primeira parte deste bloco, mais um passeio, desta vez em terra firme. Temos aqui uma nova experiência de aprendizado de um mundo ainda bucólico, natural, interiorano, feito de coisas simples, pueris: poeira, malva-do-campo, cobra-verde, arnica, papagaios, pitangas, veado-campeiro, perdizes. Índices de um mundo que se perderia em breve: “em sua memória ficavam, no perfeito puro, castelos já armados”. O mundo como o Menino conheceu desapareceria ao saber da morte do peru: A morte da ligação entre o mundo selvagem e urbano. A morte presente nos índices de rapidez, de inusitado: “tudo perdia a eternidade” “lufo” “átimo”, “de repente” “grão nulo de um minuto”. Aqui a percepção real da mudança inexorável que a Cidade traria a todos, inclusive em sua dimensão de violação da ordem natural.

• O luto, A vitória do urbano
Na quarta parte, o Menino vai para mais um passeio, conhecer as obras do aeroporto. Tudo agora respira diferente, toda a leveza anterior desaparece. O mundo feito de verdes, de bichos, de azuis, de vôo se transforma em “trabalho de terraplanagem” “caminhões de cascalho” “águas cinzentas” “encantamento morto dos pássaros” “o ar cheio de poeira” “mundo maquinal”. O mundo externo era um espelho dos sentimentos do Menino. A perda da inocência reverberava em “compressoras, caçambas, cilindros, betumadoras”. Tudo recende a concreto, ferro, dureza, nada de alegrias, de curiosidades. Este bloco traz toda a simbologia da devassidão que o progresso impõe a todos. Símbolo concentrado no ‘assassinato' da árvore. O mundo novo feito de inflexibilidade: “lamina espessa”, “machado”, “derrubadora”. O mundo antigo feito de material orgânico, frágil “arvore: simples sem notável aspecto” “árvore de poucos galhos” é massacrado.

Guimarães cria uma interjeição para expor esta nova morte: “ruh...”. A frase final desta parte é “guardou dentro da pedra”. Pedra aqui simbolizando o túmulo onde se guardará a inocência perdida, o mundo antigo, o passado feito de alegrias e encantamentos, mas passado. O que se tem agora é um céu – atônito de azul.

• O crescimento. A beleza possível.
Na parte final do conto, anoitece, o Menino retorna ao terreiro, vê um outro peru, pensa ser o mesmo, mas engana-se. Depois, reencanta-se com um vagalume. A simbologia deste bloco está na aceitação-conformação do mundo novo. A cidade está construída, a beleza anterior não existe mais, o que existe agora é algo “menor, menos muito”. Mas mesmo deste novo universo, é possível nascer novas “alegrias”, basta não deixar de olhar para o mistério. Os índices que compõe este bloco evidenciam um mundo não tão belo: “faltava em sua penosa elegância o recacho, o englobo”, com evidências de tristeza: “tudo se amaciava em tristeza”, mas também há espaço de crescimento, de tomada de consciência: ‘trabalhava por arraigar raízes”. Guimarães aponta índices de violência, de solidariedade ausente e em seu lugar sentimentos menos nobres: “movia-o um ódio. Pegava de bicar, feroz, aquela outra cabeça”.

O Menino – o Brasil - vivia um momento de transição, de corte de algumas coisas: “a mata, as mais negras árvores, eram um montão demais”, para que novas luzes caíssem sobre a vida. O vagalume, a luzinha verde, singela, vinda da mata, resgatando a alegria.

Brasília construiu-se às custas de muito esforço. Houve, por bem ou por mal, uma alteração na rota da história brasileira, que João Guimarães Rosa com sua Estória retratou de forma poética e intensa no conto “As Margens da Alegria.

Análise do conto “As Margens da Alegria” de Guimarães Rosa, sob a perspectiva da Semiologia de Roland Barthes.
RUBENS DA CUNHA

Nenhum comentário:

Postar um comentário