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domingo, 26 de setembro de 2010

“Não há como que as grandezas machas duma pessoa instruída"

O conto “Famigerado”, realçando o poder da palavra e a importância do jogo lingüístico na construção de identidades, identifica traços culturais no encontro ou confronto de uns personagens com outros.


As diferentes identidades culturais constroem-se num espaço lingüístico literário, arena dialética em que se instalam dúvidas, questionamentos e medos, em que se instalam, enfim, identidades diversas.


Sabendo que o medo é uma das quatro emoções básicas do ser humano e que a coragem pode advir dele, vemos na personagem narradora atitudes temerosas e comportamentos corajosos advindos, certamente, de seu medo.


Há também precauções do narrador exemplarmente reveladoras de um clima de insegurança e medo: “... a frente da minha casa reentrava, metros da linha da rua, e dos dois lados avançava a cerca, formava-se ali um encantoável, espécie de resguardo.”; “cheguei à janela” . Esses trechos demonstram ser o narrador permanentemente dotado de medo que, certamente, tem a ver com experiências por ele vividas ou conhecidas. Há que se considerar que a emoção do medo, mesmo sendo básica, não é inerente ao homem. Este a possui culturalmente, após conhecimentos e, ou, experiências que a desencadeiam. Tanto é cultural que ele, o narrador, desenvolveu meios próprios e adequados para lidar com seu medo.


Não só o narrador, mas os “tristes três” ( as testemunhas)mantêm o tempo todo um diálogo com o medo, conforme atestam os trechos: “e embolados, de banda, ...”; “... constrangidoscoagidos, sim.”; “... o cavaleiro solerte tinha o ar de regê-los”; “... intimara-os de pegarem o lugar onde agora se encostavam”; “... enquanto barrava-lhes qualquer fuga”; “... intugidos até então,mumumudos.”; “Estes aí são de nada não.”; “Satisfez aqueles três: - vocês podem ir compadres. (...) e eles prestes se partiram”.


Daí, deduzimos que a característica emocional,fundamental dos “tristes três”, é também o medo. E, se vemos Damázio como o valente, corajoso, não podemos afirmar que também ele não guarda o seu medo; isto porque há uma relação confusa e muito difundida culturalmente “entre medo e covardia, coragem e temeridade” .


Há em Damázio dois sentimentos: um positivo e outro negativo, mas não seria coerente, do ponto de vista cultural, Damázio dar ares de medo.
Mas, o que, senão o medo, ou este mais atenuado - a insegurança - teria mobilizado Damázio? Citando Delpierre, Jean Delumeau esclarece que “A palavra ‘medo’ está carregada de tanta vergonha que a escondemos. Enterramos no mais profundo de nós, o medo que nos domina as entranhas” .


Daí podemos postular que medo e coragem se encontram sempre - é nos momentos de medo, de grandes pavores que a coragem se aflora e realiza grandes atos positivos ou negativos. O narrador movido
pelo medo, consegue “gambelar” Damázio, e o faz de uma forma não muito honesta mas, sem dúvida, de uma forma competente.


Assim eles reafirmam sua identidade cultural: Damázio retorna, convencido de que não fora enganado, sabe que é um valente; o narrador, por sua vez, sabe lidar com as palavras e com elas ele
“evita o de evitar”, reforçando também sua identidade.
Embora o medo seja um elemento cultural pertinente a todos os personagens, todos eles também se identificam pela valentia. No final, o narrador é exaltado por Damázio como um macho um
valente ao dizer: “Não há como que as grandezas machas duma pessoa instruída”.

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