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quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Famigerado:os embates da ignorância contra o conhecimento



Essa Narrativa empenha-se em traduzir o significado de uma palavra – “famigerado” - onde todo o seu enredo é centrado em torno desse termo, o que leva a inferir que o tema do texto é a própria linguagem, estabelecendo-se, assim, como uma narrativa metalinguística. A narrativa acontece na primeira pessoa, constitui-se num episódio cômico, quando a lemos como se fosse uma adivinha às avessas, invertendo as posições do inquiridor e do questionado.

Desta forma, seu enredo nos envolve revelando uma riqueza de procedimentos estilísticos, trazendo como temática de fundo a modernização do sertão nos anos 60, o embate entre o letrado e o jagunço revela tensões e ambiguidades, abordadas pela estilística e pela psicanálise.

O personagem letrado é o próprio autor, que descreve o seu confronto em palavras com o perigoso jagunço, conhecido e temido na região, que ao chegar aflito em sua residência, deseja saber o significado da palavra “famigerado”.

É interessante notar a constante preocupação de cada um dos personagens em descobrir o que existe por detrás das palavras, o jagunço desejando ter posse do conhecimento, uma vez que suas ações dependiam disso e o narrador querendo saber o motivo da curiosidade do jagunço em querer desvendar o significado de tal palavra, ao mesmo tempo, permeado pelo medo de que tenham feito uma possível intriga contra ele. Para isso, de forma temerosa o homem culto, tinha que procurar ler nas entrelinhas das palavras do jagunço para entender suas mínimas entonações, seguir seus propósitos e silêncios, para dar-lhe uma reposta “agradável”.

Então, o autor personagem, receoso de revelar o verdadeiro sentido da palavra, mente, pois teme a violência do jagunço contra o “moço do Governo” que assim o havia chamado. Ele explica que “famigerado” quer dizer “célebre”, “notório”, “notável”. Damázio, o jagunço, depois de tranqüilizado com a resposta do médico, agradece e vai embora, antes, porém, considera que: “Não há como as grandezas machas de uma pessoa instruída”.

Nesse conto podemos opor o poder da força ao poder da instrução, (a força do jagunço e o conhecimento do médico), o do letrado ao do não-letrado, representando ainda os embates da ignorância contra conhecimento, da força física contra força intelectual (na violência e nas armas de Damázio e no poder das palavras).

Ademais, verificamos que ocorre um processo metonímico de uma situação mais ampla, o embate entre sertão e cidade, que ainda se configura em outros embates como o do governo e da jagunçagem, o do moço do Governo e o do jagunço Damázio. Nesse sentido, percebemos que o dualismo é a chave de interpretação da estória, que se baseia em dois princípios opostos e coexistentes. São duas forças opostas que coexistem sem se negar, como os outros dualismos do conto.

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