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quinta-feira, 16 de junho de 2011

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Quando a alma faz de conta...Pirlimpsiquice.

Em Primeiras Estórias as personagens são quase sempre seres à margem da sociedade, desconsiderados, sucedendo-lhes intrigas que intensificam seu estado miserável, aparentemente tornando remotíssimas suas possibilidades de ascensão. Mas eis que "de-repente" da fonte menos esperada e do modo mais inusitado surge-lhes o sucesso. O enredo inventado pelos alunos vale muito mais do que o convencional drama edificante (que faz parte da "cultura" e da "boa" educação canonizadas) e ridiculariza os preceitos do mestre de escola : "—Representar é aprender a viver além dos levianos sentimentos, na verdadeira dignidade." (Primeiras Estórias, página 41.)



Aliás, a própria palavra pirlimpsiquice, quando decomposta revela como possível significado uma mania de alma ou consciência impregnada de magia infantil. Suas personagens são seres diferentes: são crianças, velhos, pessoas à margem da sociedade que se comportam de forma estranha e às vezes surpreendente. Daquele de quem menos se espera e da forma mais inusitada surge a resolução da intriga.


AS PERSONAGENS


Eu narrador: retraído, mal-à-vontade em qualquer cena, não servia para nenhum papel, mas aluno aplicado portador de voz variada serviria de partida como ponto, mestre do ponto, assumiu o papel do Doutor Famoso, o de Ataualpa que partira.
Zé Boné: [dual do protagonista] extrovertido, não se acanhava de ser o pior, beócio, era objeto de riso. Interpretava sem parar. Papel original: um policial com escasso falar. Papel final: salvou a situação que havia ficado tensa.
Ataualpa: o "Peitudo". Junto com Darcy, um dos mais decididos e respeitados. Filho de um deputado. Papel original: o Doutor Famoso. Deveria iniciar a peça recitando uns versos que só ele sabia. Não pôde representar devido ao pai estar à beira da morte.
Padre Diretor: responsável pela integração do eu narrador na peça como o ponto. Ele era abstrato e sério. Julgou que faltava naturalidade na encenação do quinto ato da primeira estória, mas se riu, como ri Papai Noel, na noite do teatrinho.
Padre Prefeito: É quem fez a comunicação sobre o drama. Tem modo solene. É um dos espectadores. Ordenou que abaixassem o pano que não abaixava por estar enguiçado.
Dr Perdigão: [perdiz grande -- nome que sugere impostura e ridículo], lente de corografia (corografia é o estudo ou descrição geográfica de determinado território) história-pátria, ensaiador de fala difícil e sérias barbas. É cognominado Dr. Avante
E muitos outros personagens que perfazem o contexto da estória.


A FÁBULA

O evento que serve de base para este conto é aquilo que aconteceu na noite do teatrinho: aquilo que parecia mecânico e ensaiado demais, "sem ataque de vida válida" passa a ser muito verdadeiro naquele momento. Não só para o protagonista como também para os demais que o assistiam. A noite do teatrinho era a própria vida, mais que isso, era o "transviver".
 Num internato católico doze alunos são escolhidos para representar o drama "Os Filhos do Doutor Famoso". Os eleitos decidem segredar o drama e passam a comportar-se da melhor maneira possível. Um dos doze não parece muito confiável. É extrovertido e meio maluco. Alguns outros alunos que provocam temor, não são incluídos entre os doze e talvez de algum modo tentem desvelar o secreto drama. Assim os futuros atores decidem inventar uma segunda estória para o caso de serem obrigados a falar algo sobre a peça. Nesse ínterim, preparativos de toda sorte estão sendo realizados visando a noite do teatrinho. Correm rumores no colégio de que já é conhecida verdadeira estória. Uma terceira estória completa é apresentada por certo aluno como sendo a verdadeira. O ensaio geral é excelente, apesar de que o padre Diretor, assistindo à apresentação do quinto ato, critica a ausência de naturalidade.
O dia se aproxima trazendo grande ansiedade. Horas antes da apresentação chega a notícia de que o pai de um dos doze, cujo papel é "o Doutor Famoso", está à beira da morte, de modo que este é obrigado a viajar para outro estado. Assim outro aluno o substitui, o ponto: o eu narrador. E o ensaiador passa a ser o ponto. No palco, teatro cheio, plateia expectante, o eu narrador lembra-se de que desconhece os primeiros versos, a abertura da peça. O eu- narrador improvisa um verso sobre a Virgem e a Pátria. Aplausos.
O pano não desce. A platéia vaia. As demais personagens se perdem no palco. De repente, aquele aluno meio maluco, não muito confiável, começa a representar. Mas o que ele representa é em parte a terceira estória. Os demais contracenam representando a segunda, a deles. O espetáculo torna-se um grande sucesso. O público aprecia muitíssimo. Mas na verdade o que se representa é uma quarta estória, gerada extemporaneamente, transportando, não só a plateia, como também as personagens para um plano de encanto e arrebatamento.
Parece não haver como terminar a estória, como tirar todos aqueles seres desse encantamento. Destarte, o eu-narrador-personagem aproxima-se da beira do palco, falando sempre, propositadamente dá uma cambalhota e cai. No outro dia, são, ele briga com um dos propagadores de estórias que o provoca.
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